sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Eletrodomésticos

Acordei às 5 horas da matina, como sempre faço e fui direto preparar um cafezinho na minha cafeteira automática. Quando ela acendeu a luz verde, indicando que estava quente e pronta para o preparo, eis que lança um certeiro jato de vapor em alta temperatura que, no reflexo, consegui desviar por milímetros, indo atingir um vaso de plástico que repousava na prateleira, derretendo-o instantaneamente.
Assustado com o quase acidente, desliguei a máquina e abri a geladeira para ver o que havia para comer, mas esta começou a abrir e fechar a porta como se fosse uma terrível boca. O barulho que fazia parecia o latido de um cão hidrófobo. Ao mesmo tempo, o liquidificador começou a girar como se fosse um helicóptero e a voar em minha direção, certamente com a intenção de me fatiar como a um salame.
Corri apavorado com a revolta dos eletrodomésticos e fui para rua, onde fui perseguido por uma enfurecida carrocinha de hot dog e atacado por semáforos raivosos, visado por cestos de lixo famintos, ameaçado por um voraz meio fio e quase atingido por um hidrante voador. Consegui desviar na última hora e o hidrante atingiu uma vitrine que espatifou, partindo em mil pedaço cortantes, do quais um acabou me atingindo e cortando o rosto.
Em fuga, corri apavorado e acabei chegando aos limites da área urbana, me embrenhei nas matas e terminei o dia adormecendo tranquilo e dormi o sono dos justos ao relento em meio a lobos, onças, serpentes venenosas  e escorpiões.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Corri para ver o cometa passar
mas o cometa não passou
nem o meu amor
nem ninguém
fiquei só
Com a Lua
 a noite e as estrelas
o vento agora
acaricia a cabeleira verde da montanha
adormeço nas areias mornas das dunas
tenho conchas por travesseiro
e por lençol a espuma de ondas recém arrebentadas
esperando o tempo passar
mas ele insiste em não passar
desliza enfim a Lua
sobre o tapete torquesa da noite
brinca de esconde esconde por trás
de erradias nuvens
sofro o percurso dos ponteiros da horas
já é outro tempo
e nunca chegas

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Me perdoem a ausência
Estava de férias na Bahia

- acarajé, vatapá, muqueca... eita! acho que engordei 

Para retornar, comecei um poema... um protótipo ainda... Acham que dá para continuar?


teus olhos 
são um pedacinho do céu
aqui no chão em que ajoelho
são o lago plácido, a gota vitrea
a porta de entrada
por onde adentro
em sua alma, em seu sentimento
e me espalho por teus poros
- viro gotas de suor

tua língua
é o tapete vermelho
a sala de espera
a ante-sala, a poltrona
em que descanso meus lábios
a rede onde balanço a minha língua

...

Continuo? Sim ou não?

Estes já estavam prontos:

1-

não preciso
de literatura de mistério
: já tenho teus olhos
por desvendar

2-
a névoa
é o véu
que há do céu
é o leite
que premia
a via látea diurna
é a urna
noturna
que guarda
a sombra do Sol
é o guarda-chuva
que tal como uma luva
brinca a se esconder da noite
na branca fímbria
de um umbral
é o dó que foge de ré pela fuga
a ré que tem fé, é o fá que falha
o sol que brilha sozinho na partitura
é o lá perene de toda música futura
o si que soa em hipotética batalha

é o mi que matinal se madruga
em um madrigal


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Vejo-me em teus olhos
não meu reflexo
mas meu complemento

há uma distancia entre nós
que nos aproxima

uma longa campina
um horizonte
ao final da qual uma fonte
uma torrente fina
que como um elo
faz dos nós que nos unem
uma sina
diga-me mesmo calada
que eu entendo
teus olhos me bastam
siga-me e ignore
que eu te guio
evitando os que afastam

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Antes de ir ao que interessa, os poemas, um esclarecimento a respeito do post anterior, pois mais de uma pessoa o solicitou.
É quanto ao terrível destino de Lucelinda. Na verdade, eu não sei qual foi...rs. Deixei por ser escolhido. Todas aquelas vidas que descrevi, das três irmãs e da vizinha, foram fruto da invenção. A Lucelinda não existe.
A Lucelinda surgiu apenas, para, de uma forma bastante torta e mediata que literatura tem de dizer as coisas,  que, por mais que o destino que eu tenha inventado para as outras pareça terrível, tendo umas o procurado, e outras até os evitado, nada se compara ao que a realidade pode oferecer. A minha capacidade de invenção não chega a tanto e a realidade me é inalcançável em toda sua extensão e variedade de fazer boas ou más coisas. Naquele texto, bastante amargo, onde se salvou Adelaide, se contrapõe a outros bem mais felizes que, por sorte, tenho escrito! A realidade é variada, a escrita tem que ser também :) E eu deixei o fim de Lucelinda para ser apenas imaginado. Talvez ela fosse como uma daquelas moças que passaram dez anos presas e continuamente estupradas. Imaginem uma coisa bem horrível dessas que sempre aconteceram e continuam acontecendo.

Agora, chega de infelicidade!

-x-

As  estrelinhas
*****************
nas entrelinhas deste poema
*****************
escodem tudo que eu não soube dizer
tudo que eu quis esquecer
tudo que eu não quis confessar

estas benditas estrelinhas
revelam a sabedoria e a ignorância
estas duas irmãs que andam juntas
e de mãos dadas
pois a cega ignorância
paradoxo dos paradoxos
é quem guia a iluminada sabedoria

-x-

você chegou como uma explosão
um terremoto abalando meu coração
toda cheia de cruzamentos e pedágios
como se fosse uma estrada
cheia de buracos e despavimentada
destruindo a minha suspensão
trazendo o ventre prenhe de presságios
feito estrela cadente ou mesmo cometa
refulgente e de mim bem distante
como os anéis de um remoto planeta

mas também foi o Sol
que rompeu meu obscuro tempo

meu maior pecado
que herética profanou meu casto templo

a primavera
que com uma flor encerrou meu inverno

e o paraíso
que me perdoou e me tirou do inferno

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Estes textos já foram postados. É só um repeteco. É que eu gosto de rever o que eu escrevi, assim como ler livros que já li há muito tempo, rever filmes antigos e coisas assim. Sem tirar o pé do futuro, mantenho um pé no passado, pois, se sou uma promessa,  sou também uma história. 

-x-

Três irmãs muito formosas foram infelizes cada qual a sua própria maneira.

A primeira, Julinha, era a mais bela das três e conquistou o mais requisitado dos rapazes. Ele era o herói da turma, forte, vistoso, batia em todo mundo. Tinha vários sacos de pancada. Hoje, Julinha, casou-se com ele e faz às vezes de saco de pancada. Aliás, o guri não deu para nada nessa vida. Ficou barrigudo, não trabalha e é Julinha que o sustenta.

A segunda, Verônica, era muito bonita e não gostava de estudar. Queria muito ser dondoca e casou com um rapaz de família bem rica. O moço, tadinho, nada bom das idéias, volta e meia tem um surto. Hoje, a coitada, ao invés de bater pernas nos shoppings das grandes capitais fazendo compras, tem que internar regularmente o marido. Não tem tempo nem para amantes.

A terceira, Vera, casou com um rapaz que apreciava a velocidade. Derrapou numa curva e morreu. Vera o amava de verdade e, hoje, verte lágrimas sobre seu túmulo e deposita flores todos os dias.

A vizinha, Adelaide, na qual ninguém reparava (nem eu, que não a citei no começo desta narrativa) e que nem de longe era tão bonita quanto as três, casou com um rapaz calado que ninguém reparava. O rapaz, apesar de tímido, era até bem apessoado e se dedicava ao máximo a tudo que fazia. Dedicou-se ao trabalho e teve uma vida confortável. Dedicou-se a Adelaide e ela foi a mais feliz das quatro.

(Não sei se devia falar da outa vizinha, Lucelinda, mas seu fim foi tão terrível que preferi me calar)

-x-

Vilarmino tinha um defeito. Ele gostava das coisas dos outros. Bastava um menino ganhar um bola, um skate, um brinquedo qualquer, para ele desejar com a mais intensa das vontades.

Desejou ter as notas dos colegas quando era menino. Depois, desejou passar na mesma faculdade que seu amigo passou. Mais tarde, desejou o emprego de outro amigo. E, por fim, desejou a mulher de ainda um outro amigo. Tanto desejou  que conseguiu a mulher e fazer de um amigo, seu inimigo.

Derramou-se e esvaiu-se dentro da mulher do amigo, mas três balas alojadas na cabeça e muito sangue espalhado pelo chão foi seu fim.

-x-



Abelarda era carne, Valenciana, uma redoma de vidro. Uma perecia de braço em braço, a outra, conservada em formol, nunca foi tocada.

Uma carne apodreceu em mil doenças. A outra carne, apesar de morta, conservou-se eternamente.

Filme de terror : A zumbi e a Múmia. Pelo menos, é um bom título.

-x-

Do resto, eu esqueci.

O esquecimento é um santo remédio.

Abençoado os que esquecem. Livres do ódio, possuem o coração para amar.

Até que um enfarte os carregue.

Não se enganem, pois ser bom é bom por si, mas os bons morrem do mesmo jeito.

Amem pelo próprio prazer de  amar e não para ganhar um prêmio. É tão feio ser interesseiro.


POEMAS



Ponto final



Lá no fim do meu poema

tem um ponto final

depois dele o silêncio

tudo fica muito mal

e volta ao seu normal

A felicidade é tão breve

escrever me deixa leve

mas a vida segue e me chama

apaga a minha chama

e me atira de novo à lama

do dia a dia banal.


Saudades

Saudades

dor que nos arrebenta por dentro

dor cuja voz nada faz calar

Qual a razão da saudade?

não sei!

ninguém sabe!

pois a saudade é como uma flor

e uma flor não tem razão se ser

pois não há razão nenhuma

para ela florescer e encantar nossos olhos

não há nenhuma razão para ela exalar tão suave e inebriante perfume

e não há o menor motivo para que ela irradie cores

em toda volta do lugar em que antes só havia sua ausência


mas uma flor

uma não mais que singela flor

diz mais e muito mais

que toda pergunta e que toda resposta

e da mesma forma

a saudade diz bem mais que qualquer poema

pois você não estava aí quando eu mais precisei

e por isso e apenas isso

eu senti a dor lancinante da mais profunda saudade


se quer uma explicação, então deixa eu tentar

saudade é falta

saudade é vazio

saudade é, talvez, procura

mas a razão da saudade é tua ausência

e eu senti tua falta e senti um vazio e ter procurei

e não encontrei

porque me faltaste agora que tanto te desejava?


sentir saudade dói tanto como quando

a gente ajuda alguém e acaba sainda prejudicado

e quem a gente ajudou ainda fica com raiva da gente

(e pior ainda, quando se percebe que no fundo

não se queria ajudar a ninguém mais fora a gente)


queria sentir

da tua presença que nunca tive

do teu cheiro gosto que nunca inalei

da tua voz que nunca ouvi

do teu olhar que nunca olhei

queria sentir saudades de tudo isto

mas sinto apenas a saudade de tuas palavras

pois sempre as li

LUANA é LUZ

Luana é a Luz da Lua.

Luana na noite, a prata dos olhos ardentes sob a luz da Lua, o prato prateado reflete seu rosto.

Luana ao Luar a pensar em dar seu corpo a qualquer seu súdito. Luana a sonhar que é rainha. Ter os homens aos seus pés submissos aos seus caprichos.

Luana sonha se dama, mas na verdade é piranha, é o prêmio maior de quem a queira, pois Luana é a Lua e andam juntas suas luzes. A luz da Lua, tomada ao Sol, a luz de Luana furtada aos seus sonhos.

Luana na rua, Luana na Lua, Luana é meu sonho e seu sonho é também ser sua a Lua . Luana é luz da inocência, na indecência da noite, na excrescência das ruas, na avidez de escuridão que tem a Lua. Qual queres das duas? A Lua e seu romantismo ou a a falta de decoro de Luana?

O que responde a vida: a morte, pois sua inclemência não perdoa!

Mas Luana é eterna e não morre (e no fundo este é seu desejo). Dá só para quem é especial e ela bem descobriu que todos o são.

Luana é cheia de graça, mas não é de graça, ... bom, é quase isso...

Luana na rua, Luana na noite, ela é minha ou é tua? Luana é nossa assim como o é a Luz da Lua, pois sua luz é democrática e vadia e se projeta igualmente sobre todos.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013


a lâmina cortante
deste seu pungente olhar

(e o mar.. e o mar ! e o mar?
tsunami que varreu o meu andar
e também a praia e a serra
será que o terremoto é a terra que berra?
berra também meu coração por tanto lhe amar)

o gume agudo e ávido
destes seus fartos seios

(e os meios? e os meios! e os meios
mútuas extremidades
pelos quais meus veios
se arrepiam e se partem ao meio)

a ferida ampla e escarlate
da voluptuosa boca

(tão oca.. tão oca! tão oca
de hipotéticos beijos, de apopléticos desejos
tão quentes e duradouros que lhe queimariam a alma
boca de falar amargo mas de lábios doces
boca oca desta língua dura, sádica, sarcástica
que se pudesse, lhe perturbaria a calma)

eis enfim, a fenda escura e úmida
deste seu desejo

(fenda por onde adentro
em você, que aflita, grita! e grita!
fenda pela qual desapareço
caindo por uma vertente infinita)

todos elementos que lhe constituem
cortam, penetram, sangram e fluem
e me fazem me perder
ebulir e então ferver
como num vulcão
numa imensa escuridão
um breu, azeviche e fumaça de caminhão
é estrupício e  puro cesão,
é pura emoção,
que é pura pureza
e também pura impureza


e dormem ardentes
nos meus sonhos mais profundos
retratos diapositivos
dos meus antros mais imundos
aparecem e somem
e cintilam por segundos
ardem na chama intensa
dos desejos mais secretos
são a ponte balouçante e pensa
dos segredos mais discretos




quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Eu não sei se foram os olhos profundos, o toque da pele, a textura da cútis ou seu cheiro que me seduziram. Talvez tenha sido o conjunto da obra.
Os seus olhos, de um negro absurdo, redondos, gigantes, hipnóticos, aveludados, neles vislumbrei a síntese dos tempos e, como num poço sem fim, mergulhei para sempre e ainda estou caindo.
O contato da pele, a um simples primeiro contato,  me arrepiou. A textura da cútis parecia uma continuidade de mim.
Certamente, aquele tecido em que deitei meu corpo me foi concedido por encomenda. Literalmente rolei pelos seus meandros senti a sua extensão como uma verdadeira conquista, como aquela dos navegantes que ousaram e tomaram para si o Novo Mundo. O cheiro há de restar para sempre em minha memória. Vivo os dias em sua lembrança, inebriado, bêbado e enlouquecido.
Enquanto tirava sua roupa, cada peça por vez e lentamente, foi esculpindo em mim uma ereção universal. Ela tinha um jeito de se despir descortinando aos poucos um espetáculo escondido que era seu corpo.
E aí então fui todo língua e dedos. Re-esculpi inteiramente o contorno do seu corpo com o cinzel agudo e escarlate de minha língua. Escalei o cume ereto de seu seio, lentamente, como que fingindo ser difícil a escalada, mas não era. A única dificuldade era como a do desvendar de um mistério. E quando a penetrei, não havia mais eu ou ela, pois nos fundimos e viramos um só corpo, uma só emoção. Meu coração pulsava compassado com o seu coração. E nos desvencilhamos do nosso passado, para sermos só o presente dos nossos corpos interpenetrados, na língua, no sexo, na emoção e nos poros.
E eu explodi e ela explodiu. Explodimos ao mesmo tempo como um Vulcão grandioso que irrompe sobre si mesmo. Derramei minhas lavas quentes em seu vale. A partir daí, fomos um e mesmo sempre.

-x-

ai, quem dera. nossos corpos
bailassem encantados
numa dobra
do continuo espaço-tempo
e assim
neste hiato
enfim pudessem
vencerem incólumes
as muralhas
do tempo e da distância
e se fundissem
e se embalassem
e se enrolassem
mutuamente abraçados
e se fundissem nossas belezas
numa só e única beleza
num só verbo e substância
e que o meu rosto em teu rosto
o meu corpo em teu corpo
minha pele em tua pele
minha boca em tua boca
se mesclassem num só corpo
numa só boca, num só rosto e numa só pele
e eu já nem soubesse
onde termina meu braço
onde começa teu colo
onde começa tua lingua
onde termina meu peito
ai, quem dera
fossemos únicos e mesmos
e fossemos dois em um enfim

-x-

Outro dia, escutando rádio, coisa que não fazia há tempos, pude relembrar um samba que eu gostava muito quando era jovem. E ainda gosto, posso dizer.
Andava meio esquecido, mas como pude esquecer. Ela fala de coisas muito bonitas, que já eram bonitas naquele tempo em que eu era jovem, imagina agora, que já morreram em mim, os
sonhos de menino e já se foi meu pai? Pois ele fala justamente disso, dessas coisas que só a idade faz entender, mas que eu já entendia naquele tempo.

Para ouvir é só procurar no youtube ou ir ao endereço www.youtube.com/watch?v=Xm7VJMtZdZY‎

Mesmo que não goste de samba, não pode deixar de gostar de algo como "...pois me beijaram a boca e me tornei poeta..."

Espelho

Autor : João Nogueira

Nascido no subúrbio nos melhores dias
Com votos da família de vida feliz
Andar e pilotar um pássaro de aço
Sonhava ao fim do dia ao me descer cansaço
Com as fardas mais bonitas desse meu país
O pai de anel no dedo e dedo na viola
Sorria e parecia mesmo ser feliz

Eh, vida boa
Quanto tempo faz
Que felicidade!
E que vontade de tocar viola de verdade
E de fazer canções como as que fez meu pai (Bis)

Num dia de tristeza me faltou o velho
E falta lhe confesso que ainda hoje faz
E me abracei na bola e pensei ser um dia
Um craque da pelota ao me tornar rapaz
Um dia chutei mal e machuquei o dedo
E sem ter mais o velho pra tirar o medo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás

Eh, vida à toa
Vai no tempo vai
E eu sem ter maldade
Na inocência de criança de tão pouca idade
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai (Bis)

E assim crescendo eu fui me criando sozinho
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia eu me tornei o bambambã da esquina
Em toda brincadeira, em briga, em namorar
Até que um dia eu tive que largar o estudo
E trabalhar na rua sustentando tudo
Assim sem perceber eu era adulto já

Eh, vida voa
Vai no tempo, vai
Ai, mas que saudade
Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta
Mas tão habituado com o adverso
Eu temo se um dia me machuca o verso
E o meu medo maior é o espelho se quebrar (Bis)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Renatinha era dessas mulheres para as quais tudo é temporário. A roupa, o marido, o carro e a casa. Até o filho.
Ela gosta das coisas que os outros têm e logo cansa das suas. Já trocou de marido cinco vezes ... e de filhos também. E todos já tinham dona e ficaram depois ao léu... uns além. Se foram sob as nuvens da tempestade.
Seus momentos eram breves, cintilavam como diamante, mas eram apenas gota d'água que encandece ao ser tocada pela luz do Sol, mas que logo se evapora.
Ela não entendeu que certas coisas são permanentes, especialmente a solidão e foi assim que terminou os seus dias.
Elvira era dessas mulheres para as quais tudo é permanente. Tinha que ser, mas não foram. Ela perdeu o marido, os filhos e tudo o que tinha para Renatinha, que também ficou sem ninguém, assim como todos nós, por não entender a permanente impermanência das coisas, neste ciclo infindável de criação, destruição e perda, solidão e abandono.
Ora, esqueçamos de todos os males e mergulhemos lábios doces em vinho e façamos de conta ser o momento do encontro eterno - sussurram os amantes mutuamente sob os lençóis.

Foi apenas um comentário no blog da Ana, mas talvez tenha sido um pouco mais que isso:

a solução para todos os problemas que não existem é ser como a chuva, que não escolhe onde molhar e todo lugar é lugar para cair

a solução é fazer como o vento, que passa pela fresta das portas sem pedir licença e sai sem perguntar

a solução é ser como a primavera que não escolhe jardim pra florir, colore o mundo por igual, sem fazer distinções

a solução é ser como o mar, que apenas deita placidamente e faz através de seu corpo os continentes distantes se tocar

Desculpem pelo terceiro verso, eu copiei de uma canção que tenho na ponta da língua, mas não recordo o autor... mas que tenho tão aprofundado na alma que sinto como se fosse meu...rs

 Acrescentando
Lembrei... é  uma canção interpretada pelo MPB 4. composta pelo cubano Silvio Rodrigues e traduzida por Miltinho do MPB 4, chamada Por quem merece amor.

A letra abaixo com a passagem que imitei em negrito.

Por Quem Merece Amor


Te perturba esse amor?
Amor de juventude
Meu amor é amor de virtude
Te perturba esse amor?
Sem máscaras por trás
Meu amor é uma arte de paz
Te perturba esse amor?
Amor de humanidade
Meu amor é amor de verdade
Te perturba esse amor?
Com todos ao redor
Meu amor é uma arte maior
Meu amor, minha prenda encantada
Minha eterna morada
Meu espaço sem fim
Meu amor não aceita fronteira
Como a primavera
Não escolhe jardim

Meu amor, não é amor de mercado
Esse amor tão sangrado
Não se tem pra lucrar
Meu amor é tudo quanto tenho
E se eu vendo ou empenho
Para que respi-ra- a- a- ar
¿Te molesta mi amor?
Mi amor de juventud
Y mi amor es un arte en virtud
¿Te molesta mi amor?
Mi amor sin antifaz
Y mi amor es un arte de paz.
¿Te molesta mi amor?
Mi amor de humanidad
Y mi amor es un arte en su edad
¿te molesta mi amor?
Mi amor de surtidor
Y mi amor es un arte mayor
Meu amor, alivia e acalma
É o remédio da alma
Pra quem quer se curar
Meu amor é humilde é singelo
E o destino mais belo
É torná-lo maio- o- o- or
Meu amor, o mais apaixonado
Pelo injustiçado
Pelo mais sofredor
Meu amor abre o peito pra morte
E se entrega pra sorte
Por um tempo melho-o- o- or
Meu amor, esse amor destemido
Arde em fogo infinito
Por quem merece amor...

terça-feira, 15 de outubro de 2013

amava tanto
que passei tanto tempo
a lhe esquecer
que esqueci como se ama

o bê-a-bá do amor já não sei
soletro o beijo : bei-jo
na tentativa inútil
de reaprender o que esqueci

porém

só restam as cinzas, o pó e a pá
que o coveiro empunha
e a estrada sem fim e os olhos secos
vazios do seu semblante
e a vida é em pó, tal como a sopa
a sopa que esfria no prato
o prato que esfria na prateleira
a prateleira que esfria na parede fria
pois fria é casa vazia
pois vazia é casa sem seu corpo
pois vazio é meu corpo sem seus olhos
pois vazios são meu olhos sem você

não sou mais pão nem alimento
sou pão velho ao seu dispor ou de quem queira
Por não saber amar
Sou um saco vazio e sem peso
que o lixeiro esqueceu de levar



segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Aninha falava a não mais poder, falava de todo mundo, falava mais que todo mundo, falava mais do que a boca e mais até que os ouvidos de todo mundo. Não haviam palavras que bastassem e não bastavam os ouvintes que haviam.

Aninha não sabia a razão pela qual a natureza nos deu dois ouvidos e apenas uma boca. Por isso, não ouvia. Em compensação falava por si e pelo outros. Um dia, entretanto, cometeu um delize (uma coisa qualquer que fulana contou pra sincrana sobre ela ter sido vista em certo lugar com alguém, mas isso realmente não importa) e caiu na boca do povo.

A serpente, vitimada pelo seu próprio veneno, resolveu enfim silenciar.

- Ficou muda - diziam à boca pequena - pois o que antes dissera já compesara até o fim dos tempos. Quem não espera sua vez de falar acaba sendo silenciado.

-x-

Quer mudar o mundo? Então comece por você mesmo. A honestidade não é uma coisa para os outros, mas uma coisa para você. Faça do seu exemplo inspiração. Apenas quando tiver se tornado esta pessoa, que gostaria que as outras fossem, exija. Quando você, pregando a honestidade, é desonesto, você acaba sendo desonesto ao quadrado. Mas é tanta gente que é assim, que dá vontade de desistir de tudo.

Antes de mais nada e acima de tudo, não dê estúpidos contra-exemplos e torne as coisas ainda piores. Não esperem que limpem a calçada em frente a sua casa, pois ali é sua casa também. Se as ruas são sujas é porque o povo é sujo. Se o brasileiro é exemplo maior de higiene pessoal, por que não tem o mesmo comportamento com relação as suas cidades ? Criticam outros povos por não tomarem banho todos os dias, mas enchem as cidades de sujeira.

Digo isso, todo mundo só sabe dizer que todos fazem tudo errado, mas quem é que faz certo que nunca aparece?

Se todos, absolutamente todos, fazem tudo errado, então deveriam ficar quietos, ou então começar a fazer.


Mas, não. Apareceram milhares nas ruas e, com toda razão, urraram para que fizessem certo as coisas. Mas continua a não aparecer ninguém para fazer certo. Só gente para urrar por honestidade (tal como fazem os políticos, nada absolutamente nada de novo aí!) destruir, sujar, mas isto já era assim, não é mesmo?  Mais uma dose disso, a gente não precisa. Não consigo ver o que pode mudar deste jeito.
 
-x-

Cruzou oceanos, escalou e desceu gigantescas montanhas, tudo para encotrar o mestre que lhe daria enfim a luz.

Quando esquálido, enfraquecido, desnutrido, pálido e maltrapilho chegou ao seu destino, face a face com o sonhado guru, perguntou:

- Mestre, onde posso encontrar a luz?
- Dentro de você mesmo existe a luz, precisa encontrá-la por si mesmo.

Então, será que fizera todo o caminho em vão?

Às vezes, o que sonhamos se encontra tão perto e não percebemos.






-x-

Morreu mil vezes no caminho em direção ao cadafalso.
Quando a corda lhe envolvida, bruta, cortante, definitiva e impiedosamente a garganta, sentiu que seria apenas mais uma morte.
Antes da sentença fatídica ser executada, o mensageiro, esbavorida e apressamente, contra-sentenciou.
- O indulto foi concedido. Que a pena não seja executada.
Tudo em vão, pois a vida não acontece mais após se ter morrido tantas vezes.

-x-


era plena noite
e plenilúnio, mas mesmo assim
durante um eclipse
a Lua se escondeu de mim

a Lua foi sempre assim
e assim como você
ela é inconstante
ora se apresenta e me ama
mas no outro instante
foge de mim e me odeia
depois fica branca, nua e cheia (de luz)
e despudorada me seduz

(e a sua nudez reluz sob a luz nua da Lua)





faz de tudo para mim
mas o paraíso só dura um instante
e logo fica escura, crescente ou minguante
e se afasta de mim

(despudorada, desaforada e desafiante)

você que sempre foi e será minha dona
mas bem no meio da noite me abandona
sai de minha vida para sempre
com a Lua em seu ventre
túrgida, grávida,
inchada de tanto amor
amar-ga de tanto amar
e eu sofro, definho e morro
do meu céu noturno e da minha cama
eu nas alvuras dos meus vastos lençóis
úmidos de tanto receberem meu choro
eu tão triste assim
abraçado e enrolado a um travesseiro
sinto impregnar-se em mim
e ao seio da cama o teu cheiro

seus provocares me afrontam
e eu não suporto mais essas travessuras
que em meio à noite e a tantas venturas
a Lua e você me aprontam

-x-

Foi doce o momento
mas amarga a lembrança
entre os olhos
o golpe certeiro
estrelas no firmamento dos meus olhos
doeu mas foi bonito


eros e afrodite se encontravam
(ou dois outros deuses, não importa)
então uma estrela surgiu
e como tudo que nasce
sumiu no horizonte
e mergulhou na noite que nascia
do outro lado do mundo







quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O Inverno -Post antigo republicado


O INVERNO


Nos invernos de nossas vidas, a alma hiberna, as sementes das nossas vontades ficam latentes e dormentes, esperando o momento certo de serem novamente tocadas pela luz do sol.

Nos invernos, adormeço e entristeço. Parece que, assim como a  natureza, que precisa de um tempo para voltar com força  redobrada, nós também precisamos ficar, por vezes, tristes, frios, cobertos de gelo e, assim, conter-nos para recuperar as forças.

Por vezes, ficamos sorumbáticos, mas não estamos. Estamos hibernando, esperando o momento propício de voltar à vida. Há sabedoria no modo que a natureza encontra para se perpetuar.

Os invernos, por mais tristes e nostálgicos que sejam, são necessários. Um pouco de aridez ajuda a refertilizar o solo. É no inverno que a natureza prepara a primavera.

Em pleno inverno, a primavera inicia seu nascimento, tal como o feto que vai crescendo no útero materno. Quando brota a primeira flor anunciando o nascimento da estação, o broto, não sem algum esforço, ainda precisa romper uma fina camada de gelo. E logo que a arrebenta, é como se estivesse rompendo um cordão umbilical que a prendia ao seio da Terra. O húmus era a placenta que, no interior do útero da mãe Terra, a acalentava no inverno.

É isto: a Terra é a futura mãe, o inverno é o período de gestação e, em seu ventre, que, aos poucos, vai intumescendo, vai gestando a primavera, sua amada filha. Todos sabem que o filho em gestação consome os nutrientes da mãe e que a sua pele perde a cor, os ossos se fragilizam, assim como a natureza se descolore no inverno para nutrir sua prole. No inverno, vejo as flores que rebentarão do solo quando findar a gestação.

Sabedoria é enxergar no vazio do espaço o futuro que vai ocupá-lo, ou então, no outono, olhar os galhos vazios das árvores e ver as folhas que os rechearam na primavera.

Os momentos mais bonitos da natureza são aqueles em que dois opostos se embatem, e isto ocorre nas mudanças de estação. São momentos críticos em que a vida vence e se perpetua.

Assim é o parto. Assim é o romper da primavera. E o inverno ensina aos homens a serem prudentes, a construírem noutras estações o sustento que a natureza não poderá fornecer no inverno, ocupada que
está em preparar sua renovação.

Os homens evoluem, não pelas facilidades que encontram, mas pelas conquistas decorrentes da escassez com que se defrontam. Este ponto crítico da natureza, o inverno, me diz tantas coisas, que a cada primavera renasço junto com a natureza.

Para irromper em vida nos dias, preciso adormecer nas noites.



Meteorologia

Previsão do tempo: chuva esparsas ao longo do período, com fortes pancadas ao final do dia. Estúpido temporal que rompe dos céus, molhando minhas árvores, inudando meus rios. Abracadábrico vendaval de sutilezas, adentrando minhas ventas, penetrando meu pulmões sujos do ar das cidades poluídas, limpando a sujeira depositada pelos escapamentos que vorazmente devoram galões de gasolina aditivada, gasolina que veio dos veios da terra, que veio das veias negras do fundo da terra ,arrancadas junto com os cascalhos que as torrentes dos rios há milhões de anos ali deixaram. Veias velhas, veios vis, velhas vilas, valentes valetes, vales valéricos das ácidas chuvas. Quando estou andando na chuva, lembro de todas às vezes que a vida me aplicou algum tipo de golpe e das vezes que caí por terra. Ao tempo em fiquei prostrado, isto me deixou triste, querendo que as coisas fossem diferentes, mesmo sabendo que não poderiam sê-lo. É que as coisas quando se passam, se tornam necessárias, mas só então. Antes eram apenas possibilidade. Eu acredito e desacredito do destino. Da mesma forma, eu acredito e desacredito da meteorologia. O destino é uma combinação de predeterminação e construção. Se tudo já estivesse escrito há muito tempo, não haveria nada o que escrever. Nem dos temporais nem do estio poderiam escrever os meteorologistas. Já pensaram! Minhas tolas palavras que junto neste arremedo ainda agora, teriam sido escritas há muito tempo por alguém mais tolo ainda, pois só um tolo ficaria perdendo tempo com alguém que fica perdendo tempo escrevendo o que já havia sido escrito por não ter outra coisa para fazer, tendo poder para escrever coisas muito mais importantes. Eu sou contra os profetas! Peço o fim dos augúrios. Afastem-se de mim videntes! Estes que previram o que ia acontecer. Ainda que pense que, talvez, eles estivessem certos. Acho que eles eram pessoas notáveis e admiráveis. Mas, no fundo, eu não quero saber qual será o meu destino. Prefiro continuar nesta ilusão de que eu estou me fazendo e as coisas que faço, por menores que sejam, são coisas que advém do meu próprio mérito. Se souber que hei de vencer antes da luta, nada farei para vencê-la. Por que, se já sei que está escrito, de que adiantaria?. Que adiantaria escrever estas pobres e podres palavras, escritas desde o princípio do tempo, embolorados e antecipadas pelos profetas. Por isto sou contra a previsão do futuro. Peço o fim da meteorologia. Não quero saber se vai dar praia ou não, amanhã. Quero me escandalizar com o Sol! Quero ser supreendido pela a chuva! Vamos supor que eu consultasse uma astróloga para saber se meu encontro com minha paquera ia dar certo. Se o horóscopo dissesse que sim, eu precisaria me esforçar para conquistá-la e provavelmente daria errado. E se desse certo, não seria por meu charme que eu a conquistara mas pelo arbítrio de algum escrivinhador de destinos, uma concessão dos céus ou de espíritos insepultos. E se eu fosse prestar um concurso e um futurólogo me dissesse que eu iria passar, ou que, por outro lado, não passar? De que adiantaria eu estudar e me preparar para o concurso? Não estudaria e a bomba estaria armada. Futurólogos, me deixem em paz, eu pago para não saber o futuro! Com certeza é o estudo o principal fator decisivo neste caso. Se eu passei em um concurso, isto não foi obra de algum arquiteto, ou adivinho. Eu me determinei para tanto e estudei muito. Eu tive mérito. Não existem pessoas inteligentes ou predestinadas. Existem pessoas que querem, que tem vontade. A vontade é o grande elemento. Acho que há uma parte escrita do futuro e outra ainda por escrever. Esta última é que importa para nós. A outra, apenas devemos aceitá-la como é, já que nada podemos fazer para mudá-la. Não me digam o meu futuro. A página já escrita ainda deve ser virada. Quero ler o livro da minha vida, desevendando-o, página a página. Quero que ele seja um livro que vai sendo escrito à medida que as páginas são abertas. E que a cada página eu me supreenda. Quero todos dias ver o por do Sol como uma coisa que ainda não estava escrita há milhões de anos e me admirar de sua maravilha. As páginas que já foram escritas, farei delas uma fogueira para me aquecer nas noites frias. E o mistério estará na página que ainda não virei, na página da vida que ainda não escrevi.
 


terça-feira, 8 de outubro de 2013

Quarto dia

um dia, dois dias, três dias
porque não quatro dias?
pois eu só tenho três dias
por isso, um dia a mais
este quarto dia
que tanto me satisfaria
vale muito mais
que todos os dias
que todos têm
mas que não percebem

eu tinha todos dias também
mas agora
só tenho três dias
e um dia mais vale mais
agora do que antes valia
e este quarto dia
este santo quarto dia
vale tanto quanto valeria
um simples dia
para quem não tem
nem ao menos um dia
pois um dia
para quem não o tem
vale mais que todos
os dias que antes teve

ai! só um dia
me bastaria
para fazer tudo o que não fiz
se eu escapasse por um triz
do fatídico dia
de que não hei de escapar
pois num pequeno dia
diminuto e insignificante
pode-se fazer tudo o que não se fez
quando se tinha a eternidade
a seu inteiro dispor
pois só na escassez dos dias
é que os dias valem
e eles de nada valem
para quem deles muito têm

(um dia a mais
não é um terço a mais de viver
mas a vida todo que tenho)

Se eu pudesse recuperar meu passado
e fazer tudo o que fiz de  novo
eu faria do mesmo jeito
mas percebendo a tudo
de um jeito bem diferente
pois sei que fiz diferença
mas quando fiz
eu não percebi
pois os dias de que dispunha eram tantos
que parecia não fazer diferença eu viver
mas agora que sei que sou feito de carne
desta carne tão breve e passageira
que em pouco tempo se putrefaz
eu saberia o valor
que tem este quarto dia
de que agora já não disponho

domingo, 6 de outubro de 2013

colo minha ávida boca
ao cobre pleno de tanto Sol
da alva pele que se cobre teu corpo
sorvo ali as mil cores do arco-iris
um beijo multicolorido
no vermelho monocromático
e sanguinolento de minha lingua
desejo escarlate 
que mingua feito Lua
se se afasta do dia
bebo a luz de mil Sóis e de mil Luas
que orbitam sobre alvura imaculada
plenilúnio que faz surgir o dia na noite
embriago-me de luz na nudez de tua tez

-×-Aula de Química

1-   Eu sou eutético
Tu, azeotrópica
ebulimos e congelamos a temperaturas diferentes

2- Amando-se
 dois corpos ocupam um mesmo lugar no espaço

3- Avogadro

Meu coração apesar de pequeno
é maior do que o Sol
nele cabe mais amor
do que moléculas num mol
-×-

Conto sem fim

  Tinha que esquecer, afinal já faziam dez anos que a havia perdido. Nestes dez anos afogara-se em lembranças, revivera mil vezes os mil momentos e para ele não poderia haver outra em sua vida. 0 afastamento Temporal dos acontecimentos Tem este efeito de lente de aumento ou de diminuição a depender se se tratam de bons ou maus momentos, os primeiros ficando cada vez melhores enquanto os últimos não sendo gradativamente esquecidos. Efeito exatamente contrário que ocorre quanto ao futuro. Além disso se descuidara de tudo, barba por fazer, os olhos vermelhos das noites mal dormidas, olheiras, papada, rugas, cabelos quebradiços e sem cor , os ossos saltando espetados por todos os lados de seu corpo, os músculos flácidos. Isso sem falar nos efeitos nocivos do uso prolongado e quase continuo do álcool e do cigarro que lhe consumia o corpo, a mente e o bolso. Tinha que mudar, não havia sentido em continuar a viver só para sofrer.   O que ele fará agora?
A. Muda de emprego
B. Compra uma arma e se suicida
C. Compra uma arma e começa a assaltar bancos
D. arranja uma namorada
E. Entra para o AA.
F. (...)Invente uma saída G.      

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A vida é...

A vida ...

-Eu juro...
-Não! Eu prometo...
-Quer dizer, talvez eu consiga...
-Sou humano, é provável que eu desista.

-×-

-Você é a mulher da minha vida.
-Ué? Mas para onde ela foi?

-×-

Daí, eu disse:
-Não estou nem aí para você!
Bati o telefone e comecei a destruir todos os objetos da casa.

-×-

- Me perdoa! Nunca mais vou fazer isto de novo.
 -Não!
-Só mais esta vez, peloamordedeus!
-Tá bom, mas esta é a última vez.
Não foi a última vez. Nem a penúltima.


A vida é assim. Mas mundo roda e segue em frente.

-×-

Beijos que nunca te dei

Lembra daquele beijo que nunca te dei?
Lembra do dia que não saímos abraçados
E não passeamos no parque
E não te comprei uma rosa
E não te paguei um sorvete?
Depois, não fomos ao cinema
e não te cobri de beijos,
nem minha mão se aproveitou da escuridão
e não explorou tuas coxas.
Lembra quando meus olhos
não brilharam como diamantes ?
quando pela primeira vez
 não te declarei meu amor?
E que depois não fomos a um motel
e não nos amamos loucamente,
alucinadamente, desmioladamente.
E que não perdemos a noção do tempo,
desabraçados que estávamos.
Não te lembras?
Pois se nada disso aconteceu
E eu nunca vi os teus olhos,
É como se tivesse vivido
Tudo que não fiz,
Tudo que não vivi,
E os beijos que não te dei
ainda adocicam meus lábios,
E o amor que nunca jurei ao teu ouvido,
Ainda flutua no ar dos meus sonhos.
E se apurares bem os ouvidos
Ouvirás o rumor das minhas palavras
e escutarás bem baixinho:
Te amo pra sempre

Benno Assmann

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Quando escritor sou poeta
quando poeta sou estrela
quando estrela sou luz

imaterial
sutil
veloz
multicor

da manhã quando nasce
a mágica
do encontro das águas
o turbilhão
do degelo da calota polar
sou o mar
onde mergulho e me perco
o rumor da multidão
o orgulho
dos sussuros da noite
os segredos


-x-
Acordou naquele dia sem saber o que o destino lhe reservava.
Seria aquele mais um dia, ou seria o dia cujo a lembrança se irradia e ilumina as noites?
Mal sabia ele que estaria num simples sorriso, no curvar leve dos ombros, no desbotado antigo das botas, no leve levantar de poeira do sopro do vento.
É que tudo se resume num breve instante, o vale que separa montanhas é uma fímbria, a noite e o dia se separam por uma nesga de penumbra. Apenas um grama separa a gordura da magreza. E basta uma informação para se defazerem as sombras da ignorância e se instalar, por fim, a sabedoria.

(Foi em apenas um dia que eu me fiz!)

Há dias que se separam dos outros dias tão comuns, porque neles se percebe a poesia em cada coisa que nos cercam. Numa cerca florida ou num muro encoberto pelo musgo do tempo, no espelho plácido de uma lagoa que dorme entre duas montanhas, nos lábios que se movem sem emitir nenhum som, nos olhos que piscam acelerados e se fixam num lugar que está fora do campo de visão.
Se chove, dá vontade de entrar na chuva, se faz Sol dá vontade de se espalhar em seus raios. Se o dia é morno é o morno que basta, se frio é o frio que refresca o calor do corpo, se é quente, o calor é uma boa desculpa para soltar o corpo e se sentir livre.
Abriu as narinas largamente e aspirou o dia com todos seu gloriosos cheiros. Lá do alto de seu semblante, vislumbrou o que se passava à frente. Começou a caminhar a passos largos rumo ao futuro. Logo após dobrar a esquina o resto de sua vida lhe esperava.
Quase de imediato, cegou. Seria o Sol ou uma explosão atômica? Mil Hiroshimas e quinhentas Nagasakis aqueceram seu coração. Vulcões, tufões,  carnavais, vendavais. O mundo passou a sua frente e ele não viu passar.
Mas a cegueira passou e conseguiu vislumbram os primeiros raios de sua sombra. E depois foi o resto do dia, o resto do ano, o resto do século, o resto da vida.
Pelo menos foi assim que reconstruiu em sua memória aquele dia em que se apaixonou perdidamente. É essa mania que tem os amantes de recriar os acontecimentos e lhes dar nova cor e nova magia.
Parece até que é mentira, mas é assim que se vive de fato! Quando a gente vê o que é como é, a gente está morto.
Se formos perfeitamente racionais e sensatos, seremos como robôs e uma vida assim não vale a pena ser vivida. Se for para sermos como robôs seria melhor sermos substituídos por robôs, pois robôs não erram. Mas se fizermos as coisas com sentimento, faremos sempre diferente e teremos mil motivos para errar e ainda assim sermos perdoados.
Por isso, eu prefiro os robôs mais malucos, mas os seres humanos devem ter um mínimo de sensatez.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Rodrigo e Roberto eram amigos inseparáveis desde a mais tenra idade. Todos que os conheciam juravam que não havia no mundo amizade mais verdadeira.
Inseparáveis, faziam tudo juntos. Iam ao cinema, saiam com suas namoradas, um visitava a casa do outro constantemente e suas famílias eram bem amigas também.
Mas nem tudo é como parece. E muito de hipocrisia havia naquela amizade. Pois Rodrigo sempre fora mais bem sucedido que Roberto. Suas notas na escola eram melhores, sua familia mais rica, ele vencia todas as competições, enquanto a Roberto o destino destinava sempre os sobejos da glória do amigo. Não que ele fosse tão mal, porém o brilho intenso de Rodrigo ofuscava suas pequenas conquistas.
E como a água, que de tanto pingar, acaba abrindo um grande rombo em um pedra, o repetitivo segundo lugar de Roberto acabou por abrir um grande rombo em seu coração que passou inteiramente despercebido por todos. 
A partir de então, toda vez que era bem sucedido Rodrigo em algo, no íntimo de Roberto consumia um ódio mortal, da mesma forma que rejubilava-se intensamente ao menor insucesso do amigo.
Rodrigo, de maneira bem diferente, julgava verdadeira a amizade que Roberto lhe dedicava e nem por sombra desconfiava da inveja que o consumia. Roberto, por pura hipocrisia, fingia exatamente o contrário do que na verdade sentia e todos imaginavam que lhe contentava o segundo posto em tudo.
Por pensar ser verdadeira a amizade que tinham,  Rodrigo só falava bem de Roberto em sua ausência, mas em sua presença, buscando o crescimento do amigo, sempre lhe apontava os defeitos.
Roberto sabia que o comportamento de Rodrigo era muito superior ao seu, mas ao invés de lhe admirar a nobreza e grandeza de espírito, sentia ainda mais inveja.
Não suportando mais o intenso sofrimento que lhe atazanava a alma e ódio mortal que queimava em suas entranhas, resolveu armar uma cilada para Rodrigo.
Roberto sabia muito  bem que Rodrigo gozava da mais absoluta confiança de seu chefe e que Rodrigo, por sua vez, confiava inteiramente tanto em seu chefe como em Roberto. Imaginou então
 que poderia se valer dessa excessiva confiança dos dois e a que Rodrigo tinha por si, para fazer com que Rodrigo caísse em desgraça junto ao chefe e que este, decepcionado, o mandasse para a rua.
Seria uma ótima vingança. 
Roberto sabia que quase diariamente Rodrigo recebia a missão de depositar o faturamento da empresa do dia anterior no banco. Ele recebia a quantia do chefe em um envelope.
Uma vez por mês, no dia do seu pagamento, recebia dois envelopes ao invés de apenas um, já que um deles era o seu pagamento mensal.
Neste dia, Rodrigo ia até o banco e fazia os dois depósitos um sem sua conta e outro na conta da empresa. Bastaria aproveitar uma distração para passar uma parte da quantia do envelope da empresa
para o envelope do pagamento. Quando o chefe desse pela falta, perderia a confiança em Rodrigo.

Porém, as coisas nem sempre se passam como foram imaginadas e foi assim que sucedeu também neste infeliz caso.

Roberto, visitando Rodrigo em seu escritório, como era de costume, no dia do pagamento, aproveitou-se de temporária ausência do amigo para passar parte da quantia do envelope da empresa para o envelope do pagamento de Rodrigo.
Rodrigo não percebeu nada de diferente e disse que tinha que ir ao Banco realizar os depósitos. Já no Banco, Rodrigo foi conferir as quantias e percebeu a diferença. Sem entender porque havia menos
do que devia haver num envelope e no outro havia a mais a mesma quantia, resolveu voltar ao escritório para tirar a dúvida com o chefe.
No retorno, num momento em que deveria ainda estar no Banco, dois homens armados o abordaram e quiseram levar sua valise. Infelizmente, Rodrigo reagiu, foi baleado e já não se encontra a partir de então entre os vivos. É um desse azares que podem acontecer a qualquer um. Um pequeno desvio do caminho, um esquecimento, talvez influenciado pelo bater da asa de um borboleta, e o caos pode se instaurar em sua vida.
Basta estar no lugar errado na hora que era para estar no lugar certo.
E foi assim com Rodrigo.
Quando soube o que tinha acontecido, Roberto enlouqueceu. Afinal, queria apenas um fracasso, uma vergonha, uma decepção na vida de Rodrigo e não a sua morte. E o ódio que sentia transformou-se de novo na grande amizade no orgulho de ter um amigo valioso. Arrependeu-se, se bem que já  tarde, quando mais nada podia fazer.
Roberto tentou juntar os cacos que sobrara do mundo e foi viver uma vida solitária e de arrependimento. Hoje ele tenta por todos os meios se redimir. Se tornou uma pessoa solidária que se afasta da inveja
e do ódio e tenta ajudar a quem precisar sempre que pode, e ele sempre pode, essa é a verdade.
Uma alma de ouro se perdeu, mas uma alma perdida se salvou, ainda que a alquimia do tempo e do acaso não tenha podido transformá-la em ouro, talvez a tenha cunhado em prata.

-x-

Lauro nasceu pobre. E sofreu muito na vida. Não teve que comer o pão que o diabo amassou pois nem pão havia. A fome é dura de aguentar.
Mas ele tinha uma coisa diferente de outras pessoas que passaram pelo que ele passou. Ele não queria aquilo e fez de tudo para mudar.
Começou fazendo pequenos serviços. Entregar compras, lavar carros, qualquer coisa. E o dinheiro ele guardava. Entrou para a escola, aprendeu. E como se interessava, era inteligente, logo se destacou.
Foi dando a volta por cima, melhorando de emprego. Não foi assim tão de repente. Foi aos poucos. De pouquinho em pouquinho se faz um montão. Mas tem que ir sempre na mesma direção e isso ele sabia fazer: ser persistente.
Ele fazia um pouco melhor, recebia mais e comia um pouco melhor e podia se concentrar mais e fazia seu trabalho um pouco melhor e ficava nesse ciclo indefinidamente.
Quando deu por si, era pessoa bem situada na vida. Lembrou do que sofreu, mas parecia já bem distante. Mas ainda que tenha subido tanto, percebeu que quando mais subia no aspecto material, tanto mais descia ladeira abaixo na esfera dos relacionamentos pessoais.
Pois conhecera ao longo de sua escalada pessoas que o ajudaram e que deram palavra de estímulo. Mas agora se cercava cada vez mais de hipocrisia. Num nível mais alto da escala social, as pessoas eram mais falsas. E aquele ouro todo que tanto o seduzira agora parecia ser o ouro de tolo.
Por isso, resolveu subir mais ainda. Talvez lá bem acima de tudo, como a paisagem que se vê do alto da montanha na qual a pequenes das pequenas feiúras somem e só se vê o que é belo, as coisa pequenas dos seres humanos não fossem vistas.
E subiu, e subiu, e continuou a subir.
Chegou á presidência da empresa. O máximo a que poderia chegar.

Ouro de tolo!

O que viu no topo foi bem pior. A  corrupção rolando solta. Lá em cima as pessoas são bem baixas. Quiseram encher-lhe a mão de propinas, mas ele não concordou. Achava que ainda havia alguma coisa de honrado a preservar em si.
E por isso caiu, caiu e caiu. A queda foi grande, imensa, gigantesca. Se espatifou e esbarrachou-se em pleno solo da miséria.
Já não sabia como a miséria era pior, e, diga-se, muito pior, do que a torre de Babel a que tinha chegado. Digo, Torre de Papel.
Achou que estaria, portanto, bem melhor no meio da escada. Era só fingir que não via, virar um eremita, não confiar em ninguém... e deixar de ser humano.
Conseguiu reconquistar a sua posição, nem tão em cima, nem tão embaixo. A posição mais confortável que há. Não há fome demais nem bajuladores demais.
Nisso, conheceu o moço jovem e se viu nele. Pois não é que o desavisado rapaz seguia-lhe os passos?
A história vive a se repetir e nada é tão novo quanto se pensa. Tentou aconselhar, fazê-lo seu sequaz. Mas o rapaz estava tão ocupado em seguir em frente que nem lhe deu atenção.

Acho que é melhor deixar as pessoas cometerem seu próprios erros.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Não há pior sensação do que aquela que sinto quando, preocupado com a minha saúde, vou a um médico e ele, ao invés de cumprir com seu dever, só repara no meu bolso. Acabo deixando meu dinheiro por lá, e olha que não é pouco, e volto para casa do mesmo jeito.

-x-

Ah, se soubesses que o que eu sinto não é o que pensas que eu sinto e se soubesses ainda que por um momento que isto ainda é mais que tudo o que pudesses pensar e que o mundo não cabe na imensidão quase vazia do meu coração pois nele há um espaço exclusivo a tua espera para que nele possas adentrar
e se soubesses que a Lua, que o Sol, que o mar e o vento são meus amigos e que a prata, que o ouro, que o diamante e todas as esmeraldas que ainda não foram extirpadas do solo nada serão quando repousarem sobre a porcelana de tua pele, que os lagos secaram e se transformaram em caudalosos rios na amplidão das minha veias, no estufar do meu peito, no pulsar veloz e aflito dos mais recônditos recantos das minha memórias onde os anjos e os demônios flutuam todos em minha e em tua direção
se soubesses que a illha que habitas é cercadas por líquidos braços meus transformados em vastos e encapelados mares, que no isolamento exilado e ensimesmado do pensar me perco na profundidade abismal dos teus olhos
 Ah, se soubesses o que eu sei, seu eu sobesse o que sabes, se  eu sonhasse o que sonhas, se sonhasses o que sonho, se beijasses o que eu beijo, se eu beijasse o que beijas, se fossemos enfim dois em um, um em dois e finalmente fossesmos três...

domingo, 1 de setembro de 2013

Em grande espectativa, aguardou aquele encontro .
Cortou os cabelos , fez a barba, passou horas no banho, derramou  sobre si todo frasco  de perfume.
Chegou uma hora antes da que fora marcada e esperou até uma hora depois.
Finalmente desistiu.
Foi até o bar decidido a beber todas, mas acabou conhecendo o amor da sua vida.

-x-

Não o desespero
mas o sorriso
ante o mistério da vida

não o desânimo
mas a esperança
no recomeço

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Ainda não voltei. é só um alôzinho
 
vou dizer o tanto quanto
gosto de você
numa breve palavra
eu! e só eu,
eu ... esse simples sopro que faz a boca
essa subpartícula da língua-mãe
pois é minha própria essência esse gostar
eu e só eu, essa é a palavra
e não você ou nós ou uma outra qualquer
pois você faz parte de mim
como um braço, uma perna
ou até meu próprio coração
eu, pois dentro de mim
está tudo que eu preciso
eu, você e o sentimento
carne, alma, lingua, sangue e poros
e como resposta a esta simples sílaba
uma outra sílaba assim tanto me basta
sim e apenas sim e nunca não
sim, significando que superou
assim do mesmo jeito que fiz 
o seu e o meu próprio ego
e me aceitou e se aceitou 
do jeito que é o jeito que sou

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Fechado para balanço!
-x-

Todo dia fazia a mesma coisa. Até os passos contava e os sabia decor. Algumas vezes contava de trás para frente, só para ver se acabava a contagem em um.
Um dia quis fazer diferente e mudou seu caminho. Viu tantas coisas, tudo era diferente. Não estava acostumado com o caminho e se distraiu ao atravessar a rua (sempre aquela mania de contar os passos!), acabando por ser atropelado e morreu. Agora está morto (ou será que estava morto antes?).

-x-

Primeiro, doeu muito a separação. Mas foi curando, transformando-se em cicatriz. Por tanto tempo trouxe a chaga em seu peito que acabou acostumando. Virou apenas uma vaga lembrança. Hoje nem se percebe. O coração está pronto para sofrer mais um golpe e, por isso, ele anda soltando uns olhares sedutores para as moças.

-x-


Tomou um gole para ver se esquecia. Não esqueceu. Daí tomou um segundo, e nada.
Continuou tomando, até tomar todas. Esqueceu o que queria esquecer e hoje vive de lembrar que é sempre dia de beber.

-x-

Pela milésima vez escutou a mulher reclamando de tudo. Tudo o que fazia era motivo. E ele aceitava a reclamação calmamente mesmo quando sabia ter razão (o que nem sempre era verdadeiro). Um dia foi comprar um machado. Usou uma desculpa qualquer, uma árvore que estava atrapalhando a vista do jardim, qualquer coisa. Chegou em casa com aquele embrulho esquisito e a mulher reclamou como sempre. Chegou a pensar em disparar um golpe certeiro no pescoço para silenciar aquela ladainha, mas acabou derrubando a árvore. Aguentou as reclamações por muitos anos até que se atirou da ponte. O corpo nunca foi encontrado. E mulher continua a reclamar apesar de falta de platéia.

-x-

Gostava de cantar enquanto tomava banho. Foi cantando, cada vez mais alto. Na sua imaginação, cantava divinamente. Porém, como todos sabem, não se ouve de si próprio a voz como ouvem os demais. Sua voz zunia como a taquara que ao vendaval se racha. Para piorar, a parede do banheiro era fina, tão fina que a vibração que produzia, tinha o terrível efeito de multiplicar a intensidade da péssima voz e o eco que os tijolos ocos produziam em seu interior intesificam o insuportável som de taquara rachada. Não se importava com o vizinho.
Enquanto isso, seu vizinho sofria a punição que pensava não merecer. Rezava todos os dias para que cantor silenciasse para sempre. Como não teve atendidas suas preces, acabou por tirar a enferrujavada pistola da gaveta, invadir a casa do vizinho de descarregá-la na cabeça do pretenso rouxinol.

-x-

Sentia dor... e não conseguia dormir.
Tentou de tudo. Contar carneirinhos, prestar atenção na respiração, imaginar a ponta de um lápis. Voou para bem longe, mas não conseguiu dormir.
Cantou e não dormiu. Leu e não dormiu. Pensou e não dormiu... sonhou e não dormiu.
Sua vida se encheu da falta de sono. Tudo que via lhe lembrava do sono, ou melhor, da falta de sono.
Foi enlouquecendo.
Estourou os próprios miolos e dormiu enfim o sono eterno.

-x-
Ai, quanta desgraça. Caberia bem uma piadinha aqui para contrabalançar, mas não me ocorre nehuma no momento. O negócio é rir da vida!


quinta-feira, 18 de julho de 2013

Em inícios de primavera, qual o interior do frasco vazio de um perfume requintado, o ar fica repleto de odores.
Ávidas de humus, como ninfas mágicas, prenhes as plantas explodem em flores.
As árvores frondam-se em mil verdes ramagens.
As copas acenam dizendo sim ao vento.
Extensos galhos, farfalhando, mutuamente em verdes se abraçam.
A natureza toda se transforma, a luz se espalha sobre as escuridão de grotas esquecidas, iluminando o que andava escondido

O que estava morto, súbito, adquire vida própria. Por onde quer que se passeie com os olhos, só se encontra a vida.
Andava eu pelo campo, admirando a paisagem, quando lembrei de coisas esquecidas. A primavera interior, pela qual as vezes passo, pode acontecer a qualquer momento. 

A primavera, tanto a externa que tem data certa, como a interna que pode acontecer até em pleno inverno,  tem este poder sobre mim. O da lembrança.
A lembrança, construída aos poucos, dia a dia. No gotejar lento das horas, nos escoar espiral e sem volta do tempo.
O lembrar, quando possui o filtro adequado, aquele que nos faz ver as dores como lições e as boas lembranças como coisas que podem ser revividas indefinidamente, me faz sentir um poderoso Mago.


Um Mago que tem o poder de despertar um sorriso. Ai, quem me dera ter o majestoso dom.
Um mago que guarda uma ânfora secreta no fundo da qual repousa o a gora mágica do voltar do tempo
Foi assim que lembrei de certos poemas esquecidos... afinal, todo mundo faz coisas que depois esquece.

-x-

na palma
da tua mão
uma quimera
repousa inerme
qual doçura matutina
e a sola do teu pé
pisa encantada
o solo eterno
em soberana purpurina
e os olhos
arredios miram
prefixos
do tal destino
que promete
o horizonte
além da torre
intransponível
há uma ponte
que dá passagem
ao inevitável
e o impossível

-x-

não acredito no Sol
mas em sua luz
e a beleza da flor
não é a flor
mas a interseção
de seu contorno
com a linha de visada
dos meus olhos
a música
não é o seu som
mas seu silêncio
pois a cada nota que soa
reverenciam mudas
infindas tantas outras
de crenças e descrenças assim me faço
do ontem ao amanhã no hoje eu passo
em ti e em mim sou cego crente
e dá-me forças de ir em frente
no uno a fé que em mim dissolve
o que em ti é incréu ao fim resolve
da união do que é tão diferente
surge homogênea sob a dura lente
a mais fadada perfeição eterna
a trançar maluco das nossas pernas

-x-

Se tuas mãos são minha
casa

e teu olhar é o meu
destino

se teu corpo é meu
alento

e teu ar de minha vela é
vento

para quê ainda existo à
parte

se em teu ser sou
simples arte

mera consequência dos
teus atos

versos meus nada revelam

se meus gestos nem me
são inatos

e meus lábios
silenciosos selam a jura eterna

e condescendente que
sopro aliviado entre os dentes

 inflorescências
olhos meus são tua luz.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

não repare esta ruga
que vinca bem fundo
meu carregado sobrecenho
e nem na voz triste e mortiça
e o tom meio roquenho
mas o sorrir cheio de gosto
vivaz e bem esperto
que ainda insiste
em cortar todo o meu rosto
pois é bem simples a lei
que deste sempre sei
que rege o meu olhar
sem menor pestanejar
e que registra a minha face

- a noite sempre cai
mas vem o dia e me renasce -

não observe a curvatura
produzida no corpo
pelos meus doridos anos

-tantos anos
tantas marcas
tantas barcas
tantos danos -

mas repare a minha cultura
e o olhar corajoso
e jamais depoente
que ostento orgulhoso
sobre os meus vis oponentes
não repare o lado poente
em que o meu Sol triste mergulha
um lado escuro e sem memória
perdido na História
e do qual ninguém se orgulha
mas me espere amanhã
com aparência leve o louçã
enfrentando a ventania
pois eu hei de nascer de novo
e iluminar sempre o teu dia

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Dia de Sol, depois de tanta chuva

Feliz daquele que, sempre distraído, passou pelos problemas da vida e superou-os sem mesmo ter percebido que eram problemas. Problemas nem mesmo existem : são só o nome com que denominamos certas situações que exigem alguma ação. Se não tiverem solução, nem problemas são. Os problemas não existem, bem me disse uma coruja que voava ao longe sem me dizer palavra. Foi no silêncio da existência que aprendi a deixar de lado o que me acabrunhava. 

O segredo estava em ser como o vento, que supera obstáculos, escala íngremes montanhas, mergulha como suicida nos mais elevados despenhadeiros, sem se perceber, sem mesmo saber aonde vai. O segredo é ser como a rosa, que desperta nas manhãs sem perguntar a hora ou notar que o pintor nela se inspira. É viver como se fosse um sonho, uma tênue e delicada fantasia, algo que oscila entre os extremos mais opostos sem saber-se meio, é vencer e ignorar os louros, é perder e se erguer de novo sem sentir o tombo. 

Delicio-me com o vôo sem sentido e cheio de rodeios de uma colorida borboleta sem me perguntar ao menos aonde vai assim com tão caprichoso vestido e, ao som do canto esquizofrênico das cigarras, vou dançando a dança da vida, aprendendo a não me perguntar tanto o porquê das coisas.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013