segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A Paixão, a crença e a Carne

A Paixão, a crença e a Carne

como se fosse o elemento mais estranho
me invade este
e se interpõe ante meus olhos
é que desejo tanto
(e o desejo é tudo que há em mim)
a fronte bela, os olhos meigos
a doce boca, a língua tonta,
e os lábios ...

(destes nem sei o que dizer)

fruta carnuda e doce esta
em que se veste o meu desejo
o túnel estreito
que me espreita em ânsia louca

encravo o dente firme em tua boca
mordo os lábios e devoro a tua língua
mas entre uma mordida e outra
veste uma lágrima a tua face
será de ventura ou de tristeza ?
segredo mais que inviolável este que escondes!

a candidez dos olhos teus não deixa pista

a lágrima tua
é mais em mim
que diamante
é minha improvável cura

(saúde vale mais que riqueza)

tresloucado e trêmulo
freme meu corpo inteiro

(como a fina haste
do mais pífio arbusto
que ao tufão se enverga
e atônito resiste)

ante a visão dos teus seios
tão duros, excitados e hirtos

o âmbar que reverbera os teus desnudos braços
ai! a gruta úmida e sombria que repousa no vão obscuro
existente entre a alvura sem mácula das tuas coxas!
e nesta vertente do prazer que me acabo

sou este apaixonado ser
este tolo ente
este crente que não crê
e que sente o calor
puro e verdadeiro
(aquele que vem das tuas carnes)


Calvário

entre a cruz
e o pus
desfaz-se o corpo

entre nós e o pós
se estende o morto

sob os pés
os pós
sobre as mãos
os nãos
vislumbra a vista
de cima de um monte
um horizonte
enfim
encontro o sim
e então o fim
da triste sina
a dor da vida
descolorida
a morte é a vacina

na estrada
acima
o Sol que guia
à frente

- o improvável -

deixando atrás
esquecimentos

- é só de saudade o frêmito de meu corpo -

asceta
digo não
à tua boca

lágrimas que o dia
verte em minha face
misturam-se às minhas

tristezas fundidas

O Quadro Negro

a lisa
negra
lousa

o rugoso
e branco
giz

encontram-se
formando
um traçado branco

rompe-se
a escuridão
do quadro-negro
ilumina-se
no estudante
atento a mente
mas só o ranger
estridente e gutural
de embate
desses contrários
desperta
o estudante
adormecido

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Num mercado do oriente

Bernardo enfim realizava seus sonhos.

Formara-se com distinção e já tinha um bom emprego.

Encontrou uma mulher a quem amar e viver a dois. Parecia ser para sempre.

Casamento de cinema. Tinha condições de bancar. Patrícia, a doce Pat, era decidida e dedicada.

A Lua de Mel, feita de mel, vinho e sonhos, adocicaria ainda mais a existência.

Todo aquele esforço não tinha sido em vão.

O destinho escolhido, o oriente médio, as Pirâmides, a esfinge, Petra, Istambul a antiga Bizâncio de Roma, a antiga Constantinopla dos Otomanos. O idílio dos mercados persas.

Certa vez, andando pelas ruas do Cairo, um senhor, encantando pelas formas e o rosto angelical de Pat ofereceu dez camelos por ela. Bernardo, é claro, não aceitou. O sujeito então aumentou a oferta para vinte camelos e duas de suas melhores mulheres. Bernardo pediu para não mais insistir e disse que em sua terra a mulher era considerada gente. O senhor, desconsolado, foi embora, voltando-se ainda uma vez ou outra com o olhar cheio de desejo em Pat.

Num mercado típico do oriente que parecia saído das mil e uma noites, mil tecidos coloridos, mil tapetes (quem sabe alguns até voadores), mil delicias.

Pat olhava uns artesanatos, ele uns tapetes decorados com arabescos intrincados.

Nunca tirava os olhos de Pat, mas distraiu-se por um momento e, quando olhou para onde ela estava, não mais a viu. Perguntou, entre gestos e um inglês que não entediam, se alguém a vira.

Ninguém sabia de nada. Rodou o mercado de cima a baixo, e nada de Pat.

A policia foi taxativa. Ela havia sido sequestrada. Traficantes de mulheres operavam na área. As turistas, especialmente louras e bonitas como na descrição da Pat, eram as preferidas.

O terrível destino que as aguardava era se tornarem escravas dos beduínos, prostituta num porto qualquer ou mesmo servir um sheik imperador de um recanto qualquer do deserto. O mais provável era a manterem constatemente drogada e vender a posse momentânea de seu corpo por um bom preço para o maior número possível de homens. Ela acabaria se acostumando a nova vida e, aí, viciada, teria que vender seu corpo para manter o vicio a que lhe teriam forçado. Poucos anos de vida lhe restariam. Com o corpo avassalado pela droga, pelas doenças venéreas e pelas más condições de higiene, ela não duraria mais do que dois ou três anos, no máximo cinco se fosse forte para suportar. Não haveria como recorrer a ninguém, pois estaria bem longe. Não havia esperança, podiam garantir.

Ele procurou em todos os lugares até ficar sem dinheiro e sem esperança e nunca mais a encontrou. Em toda parte ele via o rosto do homem que lhe oferecera dez camelos. Uma sombra que o acompanhou pelo resto da vida.

O dinheiro acabou, ninguém prestou muita ajuda. O máximo que diziam as autoridades eram palavras de consolo.

Foi assim que terminou sua ventura. Para sempre.