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Todo dia fazia a mesma coisa. Até os passos contava e os sabia decor.
Algumas vezes contava de trás para frente, só para ver se acabava a
contagem em um.
Um dia quis fazer diferente e mudou seu caminho. Viu tantas coisas, tudo
era diferente. Não estava acostumado com o caminho e se distraiu ao
atravessar a rua (sempre aquela mania de contar os passos!), acabando
por ser atropelado e morreu. Agora está morto (ou será que estava morto
antes?).
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Primeiro, doeu muito a separação. Mas foi curando, transformando-se em
cicatriz. Por tanto tempo trouxe a chaga em seu peito que acabou
acostumando. Virou apenas uma vaga lembrança. Hoje nem se percebe. O
coração está pronto para sofrer mais um golpe e, por isso, ele anda
soltando uns olhares sedutores para as moças.
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Tomou um gole para ver se esquecia. Não esqueceu. Daí tomou um segundo, e nada.
Continuou tomando, até tomar todas. Esqueceu o que queria esquecer e hoje vive de lembrar que é sempre dia de beber.
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Pela milésima vez escutou a mulher reclamando de tudo. Tudo o que fazia
era motivo. E ele aceitava a reclamação calmamente mesmo quando sabia
ter razão (o que nem sempre era verdadeiro). Um dia foi comprar um
machado. Usou uma desculpa qualquer, uma árvore que estava atrapalhando a
vista do jardim, qualquer coisa. Chegou em casa com aquele embrulho
esquisito e a mulher reclamou como sempre. Chegou a pensar em disparar
um golpe certeiro no pescoço para silenciar aquela ladainha, mas acabou
derrubando a árvore. Aguentou as reclamações por muitos anos até que se
atirou da ponte. O corpo nunca foi encontrado. E mulher continua a
reclamar apesar de falta de platéia.
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Gostava de cantar enquanto tomava banho. Foi cantando, cada vez mais
alto. Na sua imaginação, cantava divinamente. Porém, como todos sabem,
não se ouve de si próprio a voz como ouvem os demais. Sua voz zunia como
a taquara que ao vendaval se racha. Para piorar, a parede do banheiro
era fina, tão fina que a vibração que produzia, tinha o terrível efeito
de multiplicar a intensidade da péssima voz e o eco que os tijolos ocos
produziam em seu interior intesificam o insuportável som de taquara
rachada. Não se importava com o vizinho.
Enquanto isso, seu vizinho sofria a punição que pensava não merecer.
Rezava todos os dias para que cantor silenciasse para sempre. Como não
teve atendidas suas preces, acabou por tirar a enferrujavada pistola da
gaveta, invadir a casa do vizinho de descarregá-la na cabeça do pretenso
rouxinol.
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Sentia dor... e não conseguia dormir.
Tentou de tudo. Contar carneirinhos, prestar atenção na respiração, imaginar a ponta de um lápis. Voou para bem longe, mas não conseguiu dormir.
Cantou e não dormiu. Leu e não dormiu. Pensou e não dormiu... sonhou e não dormiu.
Sua vida se encheu da falta de sono. Tudo que via lhe lembrava do sono, ou melhor, da falta de sono.
Foi enlouquecendo.
Estourou os próprios miolos e dormiu enfim o sono eterno.
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Ai, quanta desgraça. Caberia bem uma piadinha aqui para contrabalançar, mas não me ocorre nehuma no momento. O negócio é rir da vida!
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