segunda-feira, 26 de maio de 2014

Olho além do que vejo
vejo além do alcance do olhar
sei que além do horizonte
há uma terra um céu e um mar
e nessa terra distante
há muito mais do que aqui

a mesmice é minha vizinha
é sempre a mesma a avezinha
que insiste em me acordar

os dias são sempre iguais
e os jornais tão banais
que jamais quero acordar

as vizinhas são sempre as mesmas
no quintais passeiam as lesmas
e as noites me apavoram

mas tudo muda de figura
quando mudo minha textura
em que me permito enfim voar

pois nas asas do sonho
e do poema que componho
mesmo nos dias de ampla dor

pois no que sonho
é a poesia que componho
ao invés do pavor

como se eu não pudesse contê-la
numa torrente indômita e intrépita
na ânsia plena de tê-la
uma força imaginária e centrípeta
ver faz acreditar na ilusão
de que não sejam simples perdigotos
mas pedaços que soltam de mim
lançados ao vento e ao fim
dos sentimentos mais ignotos

Mas cala-te, boca tola
não te querem ouvir!

preferem ouvir falar mal dos outros.

-x-


Quem diz sempre sim
na verdade diz não
pois o sim infinito é impossível
assim como é o amor é sozinho
e o apressado é quase vizinho
do cru e do desencontro
assim como o ódio é a dois
do dia a dia o feijão com arroz
e a represa transbordada dos sentimentos
assim como o dois é sempre um
a soma de todos uns é sempre um
assim como um pode ser três
e o três jamais pode ser mais
Quem diz sempre não
na verdade diz sim
pois o infinito não é a negação do infinito
(o infinito pode ser de saudade
o infinito pode ser de dor
o infinito pode ser de tanto te amar)
assim como a verdade pode ser singela
como o feijão que há de queimar na panela
a fruta verde que pende do galho
o cheiro de cebola, coentro e alho
que vem lá do fundo da cozinha
é assim que a coisa caminha
-x-
O doce é doce, muito doce
mas teus lábios são
o doce do doce
o algodão doce da minha infância
o doce de coco
que alimenta o meu sorriso
é o doce da sobremesa
da refeição que eu preciso
no fim de cada dia
o doce que há na melancia
o doce que é o doce do meu ser
o doce de cada afazer
o doce de cada cocada
que que eu vejo no tabuleiro
da baiana da saia rendada
que fica no fim da ladeira
é o doce que há na madeira
o açúcar que edulcora minha emoção
o sal é salgado
mas o sal de tuas lágrimas
é o sal do Sol
o sal que enche de sabor
a carne que como
é o sal do mar
e do amar
o sal da terra
e da serra
que brota na flor
do meu amor
é o sal dos sabores
um vulcão de cores
que mina na ótica
da pele que há nas pétalas
nas batatas e nas féculas
e que germinam
do  fundo dos séculos
enchendo meus olhos

terça-feira, 20 de maio de 2014

duas fontes haviam
onde agora já não flui o tempo
duas horas se passaram
e o mundo girou sobre si mesmo
num rodopio estonteante
duas setas encravadas em meu peito
formaram duas amplas e largas feridas

ah! o que faz um olhar
quando atravessa o ar e brilha em um outro


jaz meu corpo, agora insensato
no torpor de vinte anos passados
fez de mim o tempo
o que fez das encostas com o vento
erodindo com as suas ondas a costeira 
com rajadas a tempestade ainda me assola
freme a vida restante em veias entupidas
a dor do passar do tempo
é lancinante, certeira e comprida
só a lembrança do teu olhar
é o que ainda me consola
se em teu coração já passei
no meu coração ainda és viva

sexta-feira, 16 de maio de 2014

I - A mulher ideal

Amo a puta que existe
 dentro de uma mulher
que faz de mim e dos outros
tudo aquilo que bem quer
e ao que os outros é abjeto
a mim é coisa que muito agrada
ser um homem-objeto
de uma moça safada
mas só para contradizer
amo também a outra parte
e tenho muito a dizer
se permitir minha arte
da mulher que me é submissa
que é decente e vai a missa
e faz tudo que eu quero
na cama e na cozinha
que sempre foi apenas minha
e por isso mesmo a venero
mas isso tudo é bem pouco
a poesia é imensa
e o poeta é um louco
que tudo diz sem ofensa
e tanta coisa adora inventar
que nada na vida lhe faz mal
por isso agora vou cantar
da mulher que a mim é igual
pois ela mais do que tudo
de qualquer maneira que seja
de paixão me deixa mudo
e está comigo pois me deseja
mais que tudo no mundo
e meu viver se torna fecundo
mas a mulher que mais amo
e da qual nunca reclamo
é aquela que resuma
todas aquelas em uma
Nasceu no bosque uma pequena flor. Pétalas singelas, cores suaves como nenhum pintor jamais seria capaz de combinar, em perfeita harmonia com a paisagem que lhe cerca. Escondida sob as gramíneas e distante dos olhares, dela ninguém se dá conta, pois germinou longe do caminho dos homens. Mas ela, por sua vez, também não se dá conta de quem vai pela estrada. Ela não precisa de olhares. Ela se basta. Lhe basta o simples amor de uma errante abelha que atrevida roube seu néctar e leve seu pólen a outras paragens ou de fugaz beija-flor que dela se enamore. Talvez se vá em breve, pois uma flor dura pouco, sem que jamais tenha sido vista. Mas, que lhe importa ter sido esquecida?

Assim é também o destino do verso que nunca foi publicado. Nasceu na alma do poeta apaixonado para traduzir seu sentimento único e morreu em seu esquecimento. Parece triste, mas na verdade o verso, quando iluminado pela verdade do sentimento, basta em si por sua luz, assim como a flor que desabrocha isolada dos olhares e desaparece sob as folhas secas do campo.

Os olhares são apenas intrusos.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

- Como foi de férias?
- Fiquei em casa. Não viajei. Aproveitei para descansar e dormir um pouco mais.
- E esses sonos foram com sonhos?
- Sim. Sonhei.
- Então, viajou, pois nos sonhos se pode ir a todos os lugares que existem e que não existem. O mundo dos sonhos é ilimitado.


-x-

Uma coisa misteriosa e inexplicável é o aprendizado. Como da escuridão se produz a luz? Se não se sabia como se pode vir a saber? Como é rompida a barreira da ignorância?

O verdadeiro mestre é um sábio, um santo ou um mágico? A lição é um passe, um abracadabra ou pó de pirlimpimpim? Os livros são seres animados, que tem vida própria. A TV é muito educativa, pois quando se liga uma delas, me dá uma louca vontade de ler, disse com propriedade  Groucho Marx.

Diz o saber : Decifra-me, ou te devoro.  Uma medusa de mil cabeças fundiu a cuca do aprendiz. Melhor ter uma cuca fundida do que congelada. Se bem que o calor da informação poderia derretê-la. A cuca fundida é moldável, se a cuca não pode mudar, será invencível o limite da ignorância. Por outro lado, se o conhecimento for possível ele será ilimitado.

“As únicas desgraças completas são as desgraças com as quais nada aprendemos.” – William Ernest Hocking


-x-

Lua
Sol
Mar
e poesia
o Lá é o meu lar
o meu amor e o meu desejo
Lá, Sol e Mi
Sol maior - O Sol é o maior - engole a Lua
A música é coisa que acontece no tempo
A música é o silêncio da mente objetiva
A música é uma uma coisa tão muda
Só ela consegue falar sem nada falar
pedi aos céus
pedi a Lua
pedi o Sol
pedi o Mar
pedi a poesia
pedi a musa
pedi a música
e só ela é que me foi concedida
e nela a minha mente foi concebida

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Recuperando alguns textos de posts antigos

Quem seria eu?

Se eu tivesse um olhar
Se eu tivesse uns lábios
Se eu tivesse um corpo
que fossem só meus e me amassem ...

nem que fosse por pouco tempo

mas eu sou quem sou
e não quem eu queria

apenas me olho no espelho
e imagino alguém ao meu lado

mas, qual nada
apenas o vazio
ocupa minhas vizinhanças

Sou um terreno baldio
que restou em meio aos prédios
e das janelas me atiram seus restos

-x-
CREDO

creio
piamente
em tua boca
e no céu
que lá existe

(único céu
que ainda me resta
: o outro
para sempre
jaz perdido)

creio no santo poder
dos teu olhos
sobre meu ser
(dos meus
inconfessáveis pecados
faz be-atos)

sob a luz
que emanas
em meu caminho
tudo é sagrado
mas se na escuridão
de tua lamentada ausência
trevas

(só a luz do teu olhar
acende meus faróis)

creio sobretudo
na divindade
de tua pélvis

(apaixonadamente
ali mergulho
: batismo de sangue)

teus olhos são-me guias
abrem olhos antes cegos
a verdade que mora em teu ser
dissipa nuvens eternas
do contumaz ceticismo
que me anuvia
derrete seu calor
neves sempre brancas do meu gelo

trocaria a eternidade
por um breve momento ao teu lado

e todas as minhas idades
vividas ou ainda por viver

todos beijos que já sonhei
por um único beijo teu

resignar-me-ia até à eterna dor
para ter um breve instante do teu amor 

-x-

LUANA é LUZ


Luana é a Luz da Lua.

Luana na noite, a prata dos olhos ardentes sob a luz da Lua, o prato prateado reflete seu rosto.

Luana ao Luar a pensar em dar seu corpo a qualquer seu súdito. Luana a sonhar que é rainha. Ter os homens aos seus pés submissos aos seus caprichos.

Luana sonha se dama, mas na verdade é piranha, é o prêmio maior de quem a queira, pois Luana é a Lua e andam juntas suas luzes. A luz da Lua, tomada ao Sol, a luz de Luana furtada aos seus sonhos.

Luana na rua, Luana na Lua, Luana é meu sonho e seu sonho é também ser sua a Lua . Luana é luz da inocência, na indecência da noite, na excrescência das ruas, na avidez de escuridão que tem a Lua. Qual queres das duas? A Lua e seu romantismo ou a a falta de decoro de Luana?


O que responde a vida: a morte, pois sua inclemência não perdoa!


Mas Luana é eterna e não morre (e no fundo este é seu desejo). Dá só para quem é especial e ela bem descobriu que todos o são.


Luana é cheia de graça, mas não é de graça, ... bom, é quase isso...


Luana na rua, Luana na noite, ela é minha ou é tua? Luana é nossa assim como o é a Luz da Lua, pois sua luz é democrática e vadia e se projeta igualmente sobre todos.

-x-

Argemira
Toda vez que Argemira tinha uma decepção amorosa, ela fazia um bolo diferente. Descontava na culinária as decepções do coração e o amor que lhe fervia nas veias, o desejo pelo amor desfeito e contrafeito, a poesia desengonçada, esquecida e abandonada ao lado do abajur sobre o criado mudo dos tempos passados, a memória de tudo que poderia ter sido bonito e não foi, jogava tudo isso e muito mais como se fossem ingredientes na massa informe do bolo.
O bolo crescia em tamanho e sabor e todos corriam para provar o bolo de Argemira que era uma delícia. Toda vez que Argemira terminava um caso, o povo fazia fila para esperar o seu bolo do desamor. Ela não comia seus bolos, pois seria amar e sofrer tudo de novo. O bolo servia para ela se livrar das dores, já que estas se desprendiam de Argemira e partiam junto com o amor, ligando-se definitivamente à massa do bolo. Do coração de Argermira para a pança de seus clientes fluíam inesgotáveis os amores vencidos.
Vendia o bolo. Vendia o amor. E ganhava dinheiro com isso, uma banal compensação. Acabou ficando rica de tanto vender bolos e muitos pretendentes apareceram. Uns a amavam de verdade e ela, cansada de amar, os ensinava a fazer um bolo do amor sem esperança que sentiam. Viveu para sempre sozinha. Nunca mais amou, mas seus bolos ficaram famosos e viraram uma franquia famosa e lucrativa.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

há flores em teu sorriso
quando perguntas:
- primavera?
eu, caído em folhas,
respondo:
- outono

(nossos olhares
cruzam
em sentidos opostos
encontrando-se no infinito)

teu olhar bronzeado
me insinua : então, verão?
meu rosto
cheio de vales
o cume nevado
rebate : inverno

(meus braços
estendem-se em tua direção
mas só encontram o vão
de tua ausência)

nosso destino :
viver estações alternadas