domingo, 28 de fevereiro de 2010

Que olhar

mas que olhos estranhos são estes
que teimam em me enfeitiçar?
talvez seja o meu fim
pois não sou mais de mim
eu já não me pertenço
e ando até hipertenso
pois sou desses olhos que já conhecia
muito antes de os contemplar

no muro da minha frente
a hera e o musgo vicejam
sinto o vento em meu rosto
franze roto meu cenho
o resto de mim já não tenho
sem os olhos um desgosto
por mais estranhos que sejam
sob este ar inocente

e por que esses olhos
e não outros olhos ?
quaisquer outros olhos
pois que há tantos deles
por este vasto
e sedento de olhos mundo
que olhos certamente
não hão de faltar
e nesse inútil me perguntar
a respeito de olhos
e outros assuntos
vou seguindo
sob o efeito hipnótico
desses olhos catalíticos
na catarse e catalepsia
esta neblina obscura
que há para sempre
de me envolver


Tudo tem alguma beleza, mas nem todos são capazes de ver. (Confúcio)

até no ar há beleza
e no fundo também a tristeza
está no jeito de se o olhar
e que há no toque ao corpo
e nos cabelos o leve alisar
da brisa que vem do mar
pois que ali está o ar
o azul do céu é um véu
que vem do encontro
da luz do Sol com o ar
e de um certo jeito
único e inevitável
nossos corpos se-amantes
ainda que seja improvável
sempre se encontrem
qualquer que seja o instante
por ser o mesmo
o ar com que se cobrem
pois o ar será assim tão belo
se os olhares certos
sobre ele repousarem

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O Olhar Antigo

Abri os olhos e vi a luz do dia. O encontro do olhar antigo com a luz recém-nascida. E vi que a antiguidade dos tempos não os impede de se renovarem. Só meus olhos envelheceram.

Os dias ressuscitam, apesar de as carnes morrerem.

A eternidade é precoce, só o olhar é antigo.

Já não consigo ver o sorriso no teu olhar como eu via. A canção, que tanto me dizia, já não diz. Os sabores já não sabem. Todos os meus sentidos envelheceram, apesar das coisas terem se renovado. Passo distraído entre o canto dos pássaros e os gritos de felicidade das crianças.

Acho que até meu amor por ti envelheceu.

Percebo agora, que ao abrir os olhos para o novo dia que surge, finjo apenas abrí-los. As pálpebras se abrem mas os olhos rejeitam a luz verdadeira.

Acho melhor aprender a abrí-los sem hipocrisia e ver o que há de verdade. Ver a verdade é ver a idade dos próprios olhos e rejuvenescê-los. E ver de novo o amor que nunca havia morrido.

Benno


EVASIVO

O retorno é renascer. As coisas que andavam mortas, ressuscitam. As lembranças, antes apenas imagens quase irreais, quase fantásticas, muitas delas apagadas, amareladas como ficam as fotografias antigas expostas ao sabor da antiguidade, revivem, suas cores e contrastes, antes esmaecidos, revigoram.

Talvez não exista graça maior que a do retorno. Para viver esta ventura por vezes me afasto, sou evasivo. Desejo de que a saudade avive os fogos que andavam a se extinguir. A saudade é o sopro
que enrubesce as brasas quase extintas das paixões antigas.

Minha alma, assim, vira constante fogueira que se abranda e se aquece alternadamente. Estas coisas das paixões não tem explicação. E eu, que gosto de explicações, de razões, fico como tolo ante a imensidão de tanto mistério. Eu, que quero saber o que acontece em remotas galáxias, apaixonado pela distância da Lua, não entendo estas coisas que me revolvem os pensamentos, fazem palpitar o coração e me impedem de dormir.

Acho que minha alma é misteriosa e faz de mim brinquedo. Gosta de tripudiar e me enganar. Me fazer falsos convites, acenar com falsos propósitos. E eu vivo entre o desespero e a ventura, entre os abismos que separam a mais extrema felicidade da mais tenebrosa tristeza, ao sabor de suas vagas incertas.
Por isto, me afasto, pois a distância é o certificado da eternidade do que sentimos. Se esta paixão que nos tolheu a razão não resistir ao gelo que cerca o afastamento, se resistir a invencível e derradeira prova, é possível que ela seja mais que paixão. Sei que quando me afasto do verdadeiro amor, na verdade me aproximo. E quando digo não, minto para mim dizendo que já esqueci, na verdade digo sim, na verdade a lembrança arde em minhas entranhas. Onde não me encontrares, é ali que estou. Minha ausência é em verdade presença.

Os livros que nunca li são os que sei decor e salteado e nada lembro daqueles que li diversas vezes na esperança de entendê-los. Ando escondido, por trás dos muros, à espreita. Apareço no momento mais inesperado no lugar mais improvável. Sou inimigo do que é óbvio, vou atrás dos autores mais herméticos, obscuros. Percebo que nunca digo o que quero, apesar de sempre dizê-lo.

Renego e destruo as coisas que escrevi e foram entendidas, pois eram segredos disfarçados. A intenção era dizer outras coisas. Mas sempre há alguém sagaz o suficiente para advinhar os meus mais recônditos segredos nas entrelinhas, pois ali estão.

Noutras vezes sou o meu oposto. É que antes estava afastado, mas agora me aproximo como o predador de sua vítima. Não sei se o que escrevo sou eu mesmo ou se é meu disfarce. se sou a máscara ou o rosto. Depois de ter escrito é como se fosse de um estranho. Há partes, mas há o todo. No todo sou eu, mas os detalhes são máscaras, engôdos. Por vezes estou ali, outras vezes, escondido. Sou como a câmera dos filmes de suspense que se escondem por trás das folhagens, observando sem ser observada, sou o Vermeer que flagra as cenas tranquilas do dia a dia e as tranasforma em obras primas cheias de luz. Sei que é estranho, mas não sou eu o culpado, mas esta chama que me invade, me faz esquecer do que quero lembrar e torna inesquecível o que me atormenta. Por isto me afasto evasivo e volto quando já não sou esperado.

Benno

Poemas

1) Beijo

bocas
que mutuamente
se inoculam
o veneno
mortal
da paixão

2) Daltônico

o verde feérico
que recobre
a solitária colina
tem o viço
do vermelho carnal
que teus lábio apontam
vício dourado
tua pele nua

pureza e pecado
habitam a mesma morada
a gruta cálida
em que tua língua
se esconde
dos meu desejos

3) Fingidor (Pessoa Revisitado)

O poeta
é um fingidor
que finge
que o ardor
de sua lira
alivia sua alma
mas na verdade
é um tolo
e, se isto serve
de consolo,
apenas do leitor
as dores acalma

Benno

4) Heresia


Herege
só acretido
em tua boca


5) Libação

Não sei
se eu bebo o vinho
ou se o vinho
é que me bebe
neste mútuo
esquecimento

minto à mente
o manto e o mito
são verdadeiros
o real é que é sonho
viver é dele esquecer
mergulhar na fantasia
que o tinto do vinho inebria


6) o silêncio e a eternidade (poema)

Estrelas e pedras
são mudas e eternas
talvez seu silêncio
indiferente, sem idade
seja manifestação
de sua eternidade
porém a flor
transitória
também se cala
e sua oratória
se expressa colorida
pois, quem sabe, sua cor
seja espécie de fala
(cale-se poeta que em há mim
que vou ser flor
e encontrar nas tintas da vida
outras maneiras de me expor)


7) Quatro Estações

No princípio foi semente: promessa.
Então, simples broto que germina do húmus. Esperança.
Quis o tempo que se vestisse de espessa copa e se cobrisse de flores.
Esplendor!
Agora resta um cepo áspero e rígido que impede o cultivo da terra.
Desolação!

8)Morada - poema de sexta

Apesar de morar
dentro de mim
muitas vezes não sei
o que sinto
se é amor ou dor
se quero ou não quero
para mim mesmo
invento e minto
nesta minha indecisão
deixo a meu coração
falar por mim
mas este arredio se cala
e meu corpo
vira morada silenciosa
talvez sombria
ou então prazeirosa
pronta a explodir
de tanto choro
ou, então, de rir

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Poemas

Salvador Dali
-I-
para sempre há de ser e será
teu olhar no meu olhar
minhas pernas entre as tuas pernas
sob um só lençol nossos corpos

-II-incompleto

por mais que te escreva e descreva
sempre restará um poema a ser escrito
um enigma a ser decifrado
uma palavra por ser dita
uma lágrima que eu ainda náo tenha vertido
ou que não tenha te feito verter
um sorriso que ainda não tenhas me me feito
uma declaração que não ousei
uma ousadia que jamais haverei de declarar

-III-tola vingança

pedaços de mim
espalhados no chão em que pisas
sujam de sangue teus saltos
sem desviar teus passos

-IV-De tantas verdade e mentiras

Sou uma verdade
que um dia me menti
e de tanto repetir
acabei acreditando
és um mentira
que julguei ser verdade
pois só o tempo abre os olhos
velados pela luz

-V- Desencontro

Ela tanto me esperou
que virou pó
dissolveu-se no vento
depôs-se em meu caminho
e sujou meu sapato

(Meu reino por um engraxate)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Renoir - Jovem penteando os cabelos


todos elementos se unem
para observar a pequena
a singrar sua escova macia
por sua imponente melena
o tempo congela em assombro
o Sol mal contem um suspiro
as madeixas caem pelos ombros
são nelas que eu me inspiro
cascatas de luz que iluminam
o desejo dos menos carentes
o olhar que ingênuo fascinam
os olhares dos mais indecentes
que seria dessa gente
sem esta linda visão?
o mundo seria mais triste
calado e sem qualquer emoção
as respostas às perguntas
mais profundas e intrigantes
reponde este singelo cenário
que pelo espelho do armário
assiste a Lua minguante
neste mesmo instante
e a faz chorar de alegria
suas lágrimas prateadas
na liberdade mesmo que tardia
dessas noites enluaradas