terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A Arte da Separação

Um dos momentos mais cruciais na vida de uma pessoa é a hora de dizer adeus. Há um momento certo para cada adeus que se dá.

Temos que perceber que quando tudo já acabou, quando já não adianta juntar os cacos e que os cacos que restam espalhados pelo chão já não se encaixam. É um momento dolorido, mas necessário. Enfrentar de peito aberto a dor de dizer adeus a alguém e a quem se amou loucamente é ter a coragem e sabedoria de suportar uma grande dor em detrimento do prolongamento de uma dor muito maior, que é a de viver um mundo de aparências.
Não há dor maior que estampar um sorriso falso quando está sangrando o coração.

E
ntretanto, nem todo tipo de adeus é definitivo. É triste ver tanta gente aprisionada a amores que se extinguiram. É como estar aprisionado na cratera de um vulcão extinto. A dor aguda da separação é menos dolorosa que a dor velada e continua da vida em disfarce. O ser que não é ele mesmo, que representa um papel que, no fundo, não desejaria representar, é menos que um ser, é quase um não-ser. Ser negado e ser que se nega. Negação mútua. O nada se relacionando a coisa nenhuma através de um relacionamento inexistente. E perde-se as oportunidades de voltar a amar. Mortos insepultos aqueles que vivem relações de aparências e desistem para sempre de amar.

Quantos amores ainda nos restam por serem amados! Quem sabe na próxima esquina não te depares com uma nova paixão. A nova paixão é sempre a paixão! Quem ama, ama como se fosse a primeira vez. Quem ama, ama como se fosse a última vez.

Há, além da arte da separação necessária e definitiva, a arte da separação provisória. A dor de uma separação provisória, se encarada do devido ângulo, não é uma dor, mas alegria. É que a dor da separação provisória é uma tempero da felicidade futura. Uma breve separação excita e apimenta os amores que, de estarem tanto tempo juntos, já sofreram certo desgaste.

Além do mais, quando nos afastamos provisoriamente de alguém, estamos fazendo uma longa caminhada cujo ponto de partida e o ponto final são os mesmos. Uma caminhada em círculos é assim: quando mais se afasta mais se aproxima. A cada passo que se dá, se afasta o ponto de partida, mas se aproxima o ponto da chegada. Quando digo até logo e me afasto, não estou indo, mas, desde já, voltando. E digo assim para o meu amor: cada passo que dou para longe, estou mais perto de ti, pois mais se aproxima a minha volta.. E assim, nos separamos felizes da vida! E, na volta, nosso amor engrandeceu-se na proporção da distância e do tempo que nos afastamos.

Tudo que é bom dura pouco

Tudo que é bom dura pouco
o prazer é um momento louco
um orgasmo que leva um instante
Já estou velho porém fui infante
mas a paixão é um curto pavio
arde intenso depois resta frio
o ocaso é átimo colorido
mas não é muito comprido
e a flor quando desabrocha
reverbera fulgurante qual tocha
mas logo a seguir sempre murcha
após ela só fica a aridez da rocha
a iguaria mais tenra e gostosa
comemos em parte por ser cheirosa
sofregos como nunca acabar fosse
mas eis que acaba-se o que era doce
da beleza noturna os matizes
tinge sombrios de amantes os deslizes
mas são logo quebrados pelo brilho solar
quando a manhá rompe pelo ar
As cores do dia são as atrizes
que as da noite torna infelizes
vãos beijos que de um segundo não passam
momentos sublimes que logo fracassam
toda felicidade é efêmera e fugaz
a tristeza um inimigo invencível e audaz
Só a amizade e o verdadeiro amor
em meio a tanta tristeza e dor
hão de para todo sempre perdurar
se cultivados seja do jeito que for
as feridas do tempo haverão de curar

Benno Assmann

terça-feira, 15 de dezembro de 2009



me vejo no espelho, me sinto um rei
o olhar dominador, a juba imponente
o porte assustador, me vejo um Leão
mas, no fundo, eu sei que sou só um gato



Uma tarde na praça



O velhinho na praça, sentado no banco, pensa com seus botões:

"Eita, casalzinho descarado. Olha só! A vadia se esfrega no marido
como fosse transar com ele aqui mesmo, em plena praça!"

"E o marido, sem-vergonha, passando a mão na bunda da esposa? Tão sem-vergonha
que não respeita nem a própria esposa."

Neste pensar do velhinho, havia dois erros.

Primeiro: apesar de condenar, ele bem que queria estar lá!

Segundo: os dois eram casados, mas não um com o outro!!!


Valtencir


Valtencir era uma garoto genial que extraía raiz quadrada sem pensar. Ele desenvolveu um tipo de vegetal geneticamente modificado que tinha raízes quadradas, e ele não precisava pensar quando extraía suas raízes. Aliás, não pensar era um de suas atividades preferidas. Desenvolvera uma verdadeira arte de não pensar e obtinha grandes frutos deste não-pensar. Por exemplo, pouco importava a ele que uma guerra estava neste mesmo momento sendo disputada e que a morte ceifava diariamente um enorme número de vidas inocentes da face da Terra. A ataraxia (nos vocabulários céptico e estóico, estado em que a alma, pelo equilíbrio e moderação na escolha dos prazeres sensíveis e espirituais, atinge o ideal supremo da felicidade: a imperturbabilidade) era seu grande produto. Ele simplesmente não tinha defeitos. Era perfeito! Perfeito, mas nem tanto. Tinha um pequeno defeito na língua que o impedia de falar corretamente. Trocava a letra “a” por asurbanipalnabucodonosor. Assim, quando ia falar uma palavra simples como banana, por exemplo, invariavelmente saía:

- basurbanipalnabucodonosornarsurbanipalnabucodonosornasurbanipalnabucodonosor.

Era realmente muito difícil entender, ainda que muito divertido, o que Valtencir dizia quando o que dizia envolvesse a letra “a”, mas isto não queria dizer grande coisa, já que não há grande interesse em saber o que pensa alguém que não pensa. Outro defeitinho, me lembrei ainda agora. Matou seu irmão com uma bala por causa de uma bala. Brigaram por conta de uma bala de menta já meio chupada. Não sei se era de menta ou de anis ( Erva da família das umbelíferas -Pimpinella anisum- originária do Egito, a qual fornece a essência de anis, usada na fabricação de licores e xaropes; erva-doce, pimpinela), mas não importa. Cada um dizia, por sua vez, que a bala de menta (ou de anis?) era sua. Não chegaram a um entendimento. Valtencir não mais se controlou e, se valendo da própria bala de menta (ou de anis?), surrou seu irmão. Não se sabe muito bem como se pode surrar até a morte outra pessoa com uma simples bala de anis (ou de menta?), mas esta é a estória que contam. por aí Morrer assim é terrível, tão terrível como morrer de qualquer outro jeito. Afora isso, Valtencir era de morrer de rir!



Coração de Pedra


Vai-te embora e leva contigo meu coração. Ele já não me servirá de nada sem você. Você o roubou de mim e a ti pertence.

Sei que não te servirá de nada, sei que te fará pesar a bagagem, mas se não o queres, livre-se dele e o atire nas correntezas de um rio, para servir de alimento aos peixes, ou o enterre no campo para adubar a terra. Quem sabe as suas carnes enrugadas se tornem um lindo peixe dourado ou um maravilhosa e colorida flor. Será uma última chance de vê-lo sorrir, acostumado ao pranto e a dor que tem sido.

Acho que o melhor para mim é ter uma cavidade vazia no peito no lugar de um coração que só me dá desconsolo. Ou, então, transplanto um pedra fria e sem vida para substituir o seu pulsar.

Me confortaria a quietude da rocha no lugar do impaciente e intranqüilo pulsar desta posta de carne retalhada e indócil.

Acho que vou melhor sem sentimentos do que tê-los todos não correspondidos. Talvez seja melhor ser um objeto sem préstimo, inerte e coberto de musgos do que ter a ânsia a me corroer as entranhas. Jamais vi uma pedra coberta do limo do tempo chorar. Nunca vi um lago sofrer e das estrelas nunca ouvi os lamentos. É essa vida que, ao mesmo tempo que nos empurra e retrai, que faz correnteza nas veias, que faz palpitar o coração, que nos faz o sofrer e chorar. Livre da alma serei coisa e encontrarei, enfim, a paz que nunca tive.

Quem sabe você saiba conviver melhor com teus sentimentos, pois eu já desisti deles e prefiro ser só uma pedra de sal.


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Weeping nude - Edward Munch


imagino teu pranto
imagem que é-me feita
na espreita
de anos tantos
meus dedos largos
em tua fenda estreita
à força de um carinho
alargavam o caminho
desbravando tuas matas
(pensava eu então
-"no aperto delas
ainda me matas")
distante meu ninho
este estranho vinho
adocicado e carente
que brotava inocente
pelas vertentes
de tuas estranhas
e profundas entranhas
entre os gemidos mais vagos
agora liquefazem-se
meus desejos em lagos
e os roucos cantos
de esmaecidos encantos
nos músculos rijos das tuas coxas
de meus apertos ainda tão roxas
e que ainda me expulsam e afagam
depois derretem-se e alagam
este é um passado que não me deixa
esta lembrança que agora é uma queixa
és agora, imagino,
de outro qualquer a nova gueixa
esta imagem é a que rumino
quisera-te antes sozinha
chorosa no orvalho sereno
da tua boca carmim
do que teres cravado em teu seio
um outro qualquer ao invés de mim

Benno Assmann