sábado, 15 de julho de 2017

Eu tenho este estranho hábito de ler os quadros de avisos. Todo mundo acha que num quadro de avisos só tem coisas bem pouco interessantes, tipo :

- Geladeira nova a preço de usada! - teria cabimento geladeira usada a preço de nova?

- Aluga-se formoso apartamento de frente para praia, e que tal, ao invés, aluga-se formoso apartamento de frente para os fundos? Eu fico brincando de anúncios! É divertido. Assim, é possível transformar uma coisa chata numa coisa divertida. 

Por exemplo, quando  acontece de estarmos assistindo uma aula ou palestra bem chata, sabe daquelas que dá vontade de dormir mesmo sem ter sono?
Não que eu ache aulas chatas quando não são. Tem muita gente que acha chata qualquer aula, mesmo as que não são. Gente chata, pois só acha tudo chato quem tem a chatice dentro de si. Eu tendo a achar legal o que é chato para todo mundo e chato o que é legal para todo mundo.
 Não se trata de ser do contra, mas de ser diferente mesmo.Tem gente que acha que faço isso para ser do contra, mas, como não é por isso, tendo a manter em segredo o que acho legal e o que acho chato. Querer ser maior é diferente de querer ser diferente, se é que o que é sem sentido possa fazer sentido. Esta é a direção sobre a qual se deita o meu destino. O plano osculatório onde se espalham meus planos.  

Quando eu estou assistindo uma aula de matemática, por exemplo, o professor explicando a equação do círculo : 

- O círculo é o lugar geométrico dos pontos equidistantes de um ponto chamado de centro do círculo - imagina aquela voz modorrenta dizendo isso. Eu adoro matemática, mas até isso pode ser chato numa voz dessas. E aí, ele contínua : Não confundam círculo com circunferência, pois o primeiro é   a figura o outro o seu comprimento ou perímetro.
Um círculo é um polígono regular de infinitos lados... aí eu imagino, um infinitógono. hahaha, uma piada matemática. E que tal um infinitaedro, ou seja, uma esfera? E que tal o infinito, tadinho, apenas um oito dormindo, porque tanta empáfia? O oito dormindo como é representado o infinito é uma grande lição para os que se acham grandes, cheios de empáfia, mas que não conseguem entender a grandeza desta pequena lição e não passam de um oito dormindo, sem jamais atingir a grandeza do infinito que este símbolo representa. Será que, quando uma esfera se deita, se é que seria possível pensar numa esfera deitada sem se valer de uma quarta dimensão,  vira um octaedro? Só se for regular e convexa, naturalmente. 

Aí, quando ele vai explicar que, a partir da expressão da distância no plano cartesiano, ou seja, que a distância é a raiz quadrada da soma do quadrado das coordenadas, se deduz que o quadrado do raio do círculo é igual a soma do quadrado das coordenada e isso expressa a equação de um círculo com centro na origem e que, para expressar um a equação de um círculo de centro em um ponto qualquer x0, y0 basta fazer uma translação de eixos, ou seja x´ = x - x0 e y = y - y0 e agora x' ao quadrado mais y' ao quadrado igual ao raio ao quadrado. 

Todo mundo dormindo, mas eu imaginando o professor vestido num barril por ter perdido a roupa e que,  vestindo  também um chapéu de mestre cuca, vai ensinando uma receita de bolo de chocolate, a uma turma que, ao invés de dormir, como oito deitado que são, olha embasbacada a infinitude absurda de um bolo de chocolate.

Todo mundo dormindo, eu rindo.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Entre a aspirina, o anão e o passaporte


Estava eu com uma tremenda dor de cabeça, daquelas de rachar o crânio. Eu não gosto de tomar remédio, mas daquela vez não estava dando para aguentar mesmo. Como não costumo tomar remédio de espécie alguma, especialmente analgésicos, o efeito dele é tiro e queda. É tomar e passar  a dor, ao contrário dos que são hipocondríacos e vivem se encharcando de fármacos. A dor é  bastante edificante e não porque se render ao primeiro sintoma, enfim, não entendo tanta fraqueza. Mas, quem sou eu para julgar os outros. Cada um é que sabe de si, pois não sabemos de fato se a dor que sentimos é a mesma dor que outra pessoa sente. Deve haver pessoas mais sensíveis a dor do que outras.
Mas, onde encontrar remédio na casa de alguém que não toma remédio? É porque não tomar remédio chega a se uma doença em mim. Procurei em todo canto e não encontrei. Encontrei todo tipo de coisa que estava perdida, as chaves que me fizeram trocar a fechadura da casa, os documentos que tive que tirar uma segunda via, tudo menos o maldito analgésico.
Não queria sair de casa me sentindo daquele jeito, mas não via alternativa.
Procurei em todas gavetas de todos os armários e não encontrei sequer uma aspirina. Sabe, eu prefiro tomar aspirina, não sei porque não quero saber de dipirona, paracetamol, e outros analgésicos populares.
Enfim, decidi ir até a farmácia.
Quando lá cheguei, havia um anão sendo atendido pelo único atendente disponível. E o anão, além de ser muiiiiiiiiiiito baixo, era muiiiiiiiiiiiito chato. Sabe daquele que acha que todos os remédios são caros ou não prestem e pedem sempre uma opção alternativa que não serve também e pedem mais outro até desistir de comprar. E quando desistem de comprar para procurar em outra farmácia, passam para outro item de uma lista interminável de remédios. Pois o anão, além de baixo e chato, também era hipocondríaco. E assim, foi rachando aos poucos minha cabeça, quando, de repente me lembrei que naquele dia era o último dia para eu ir pegar meu passaporte e acabei me esquecendo por causa da dor de cabeça. Caramba, vou ter viajar dentro de um mês e ainda tenho que providenciar o visto.
Seria uma viagem de negócios. Meu chefe me pediu para participar de uma reunião com um cliente no exterior. Seria a primeira vez que sairia do meu país. E esta dor de cabeça para atrapalhar.
O que seria mais importante? O passaporte ou a dor de cabeça?São tantos dilemas que temos que enfrentar pela vida. Isso ou aquilo! Sempre resta a dúvida e uma grande lição que aprendi na vida foi lidar com este grande algoz que é a dúvida.
Coitadas das pessoas que não entendem que uma parte das grandes questões que lhe atormentam são coisas nebulosas que ninguém sabe ao certo a resposta e que as respostas talvez nem existam. Tudo é fácil quando é com outras pessoas ou se é meramente hipotético, mas quando se entra no jogo a dúvida é uma verdadeira tortura.
Certamente, todos diriam:  O passaporte! Isso porque não sabem a dor que estou sentindo e isso porque eu sou uma pessoa quase imune a dor. Tenho vários exemplos para citar. Teve aquela vez, quando eu era menino e um menino que eu havia encrencado foi buscar sua patota para me dar uma surra e como fiquei orgulhoso de não ter dado um pio. Eles ficaram tão impressionados, que fugiram assustados. Me senti um espécie de super herói. Mas, de que vale ser um superherói se não se aguenta uma dor de cabeça? Eu devia era dar umas porradas no anão, mas me acusariam de discriminação. Eu não tenho nada contra os anões. Só contra aquele anão que não acabava nunca sua lista infinita de remédios de que não precisava ou não queria comprara. Era um anão que veio ali apenas para irritar o vendedor. Era uma verdadeira vingança contra todos os anões vilipendiados, humilhados e discriminados que havia no mundo. Mas a vítima da vingança agora era eu. Logo eu que sempre fiquei ao lado dos fracos e oprimidos. Se soubessem a minha revolta quando soube que na França havia uma competição de arremesso de anões a distância. Não que não fosse engraçado imaginar o pequenino sendo pego pela perna por um fortão que ia girando, girando e girando loucamente em torno de sua cabeça, enquanto isso o anãozinho urrando, até soltar e ir correndo ver a que distância que ele havia caído. A vontade que dá da gente rir, vem certamente de um espírito cruel que habita nosso subconsciente. Mas, pensando bem, não havia nada de revoltante imagina AQUELE anãozinho chato sendo arremessado.
Aí imaginei o Samurai Gourmet. Seu samurai entrando feroz na farmácia e dizendo tudo que eu desejaria ter a coragem de dizer. E arremessando o danado do anão, é claro, lá no meio da rua e uma caminhão passando sobre o anão, engatando uma ré e passando de novo, até que o pequeno e chato anãozinho tivesse virando uma simples pasta confundindo-se com a tinta do asfalto.
Ei, que legal! Meus pensamentos malvados me fizeram distrair e, quando dei por mim, a dor de cabeça havia definitivamente passado. Agora podia ir pegar meu passaporte. A imaginação é um santo remédio.