sexta-feira, 9 de setembro de 2016

-I-

para sempre há de ser e será

teu olhar no meu olhar

minhas pernas entre as tuas pernas

sob um só lençol nossos corpos


-II-incompleto


por mais que te escreva e descreva

sempre restará um poema a ser escrito

um enigma a ser decifrado

uma palavra por ser dita

uma lágrima que eu ainda não tenha vertido

ou que não tenha te feito verter

um sorriso que ainda não tenhas me me feito

uma declaração que não ousei

uma ousadia que jamais haverei de declarar


-III-tola vingança


pedaços de mim

espalhados no chão em que pisas

sujam de sangue teus saltos

sem desviar teus passos


-IV-De tantas verdade e mentiras


Sou uma verdade

que um dia me menti

e de tanto repetir

acabei acreditando

és um mentira

que julguei ser verdade

pois só o tempo abre os olhos

velados pela luz


-V- Desencontro


Ela tanto me esperou

que virou pó

dissolveu-se no vento

depôs-se em meu caminho

e sujou meu sapato


(Meu reino por um engraxate)

-VI-


Neste túmulo

muitos sonhos

jazem

enterrados


-VII-

Quero a ventura

de três amanheceres

: o Sol despontando no horizonte

e seu reflexo duplicado

nos teus olhos despertos

VIII- CREDO


creio

piamente

em tua boca

e no céu

que lá existe


(único céu

que ainda me resta

: o outro

para sempre

jaz perdido)


creio no santo poder

dos teu olhos

sobre meu ser

(dos meus

inconfessáveis pecados

faz be-atos)


sob a luz

que emanas

em meu caminho

tudo é sagrado

mas se na escuridão

de tua lamentada ausência

trevas


(só a luz do teu olhar

acende meus faróis)


creio sobretudo

na divindade

de tua pélvis


(apaixonadamente

ali mergulho

: batismo de sangue)


teus olhos são-me guias

abrem olhos antes cegos

a verdade que mora em teu ser

dissipa nuvens eternas

do contumaz ceticismo

que me anuvia

derrete seu calor

neves sempre brancas do meu gelo


trocaria a eternidade

por um breve momento ao teu lado


e todas as minhas idades

vividas ou ainda por viver


todos beijos que já sonhei

por um único beijo teu


resignar-me-ia até à eterna dor

para ter um breve instante do teu amor

-IX-

não há mais flores
em teu sorriso
pois o inverno do tempo
abateu-te na primavera da vida
...em pleno vôo
asas engessadas
pendem inertes em cada lado
de teu corpo
prendem teus braços inermes os remos
nas aleivosias e escolhos do mar
a água cristalina
de teus olhos-lagos secou-te as margens

o que ainda resta de ti
fora um deserto escaldante
o frio congelante das geleiras
o brilho eterno e frio
de estrelas extintas?


-X-

Montanhas

Montanhas entortando o horizonte, entortando o céu que é plano. Deixando curvas nas dobras do mundo, criando vales e torrentes, recortando a terra, derrotando o igual, violando o tédio, violentando a esfera.

Esfera oca cheia de pontas, espinhos, carrapicho. Ali, nas montanhas, é que nascem os rios! E os rios transportam os sedimentos que adubam os solos, Solos com sede de sedimentos. Seres com sede de sentimentos. Eu com sede de ti. Nós com sede uns dos outros. Seres vivos com sede de vida.

Filhos! Resultado da sede que a vida tem de si mesma. Eu amo porque sou um rio com sede de rios, vida com sede de vida, rio e sede da vida, dos peixes, peixe com sede de peixes.


Sorvo cardumes de um só gole. Rios que são serpentes que se estendem nas planícies para tomar Sol.


Montanhas! Saiam da frente do meu Sol. O Sol é meu! O Sol é teu, é nosso.


Mas aqui, nesta parte que estou da Terra, pega uma luz do Sol que vem de uma parte do Sol que é minha, pois se sou dono da luz, sou dono da fonte desta luz. Sou dono de uma parte do Sol! Sol que ilumina montanhas escuras, florestas sombrias. Pelas frestas de tuas copas, floresta, deixas passar um pouco da luz do Sol. Mesmo que seja uma nesga, perdes um pouco de tuas sombras e o Sol perde uma da luz que o consome, mas os seres que te habitam ganham um pouco mais de vida.

Esta estranha relação que tens com o Sol me ensina que quando se perde algo em algum lugar, em algum tempo, necessariamente alguma outra coisa se ganha em algum outro lugar em algum outro tempo.


Não há ganho sem perda, nem perda sem ganho. Isto me faz conter meu desejo de ganho, por não querer provocar uma perda, isto me faz aceitar minhas perdas, pois houve ao mesmo tempo um ganho.


As montanhas desafiam com suas escarpas os alpinistas à escalada. Escalar montanhas, subir degraus, este nosso destino. Somos todos alpinistas. Havia uma montanha que nunca um alpinista ousara escalar. Mas aquele alpinista, ah, aquele alpinista, ousou. Suas chances de voltar eram mínimas, mas o que não é arriscado? Contra tudo, contra todos ele ousou. E fracassou na primeira tentativa, mas, depois daquele fracasso, ficou mais fácil escalar montanhas que antes eram difíceis.

Quem tenta o inalcançável pode conquistar outras coisas. Mas, se pensam que ele desistiu da escalada, estão enganados. Aquela montanha era a montanha da sua vida. Por nada deixaria escapar aquela conquista. Nem que fosse à custa de ossos quebrados ou da vida.


Se ele não tentasse de que valeria a vida. E errar não era problema. Ele errara outras vezes, nem por isto desistira, nem por isto se sentira derrotado. Haveria de chegar o momento da definitiva conquista. E ele tudo fazia, tudo conseguia, por ter um propósito.


Por isto mesmo nem vou dizer se ele conseguiu escalar ou não a montanha da sua vida. Nestas histórias vale mais a luta do que a conquista. Vencedor é aquele que enfrenta suas montanhas, não aqueles que a conquistam. A grande conquista é a conquista de si mesmo.