segunda-feira, 28 de outubro de 2013


a lâmina cortante
deste seu pungente olhar

(e o mar.. e o mar ! e o mar?
tsunami que varreu o meu andar
e também a praia e a serra
será que o terremoto é a terra que berra?
berra também meu coração por tanto lhe amar)

o gume agudo e ávido
destes seus fartos seios

(e os meios? e os meios! e os meios
mútuas extremidades
pelos quais meus veios
se arrepiam e se partem ao meio)

a ferida ampla e escarlate
da voluptuosa boca

(tão oca.. tão oca! tão oca
de hipotéticos beijos, de apopléticos desejos
tão quentes e duradouros que lhe queimariam a alma
boca de falar amargo mas de lábios doces
boca oca desta língua dura, sádica, sarcástica
que se pudesse, lhe perturbaria a calma)

eis enfim, a fenda escura e úmida
deste seu desejo

(fenda por onde adentro
em você, que aflita, grita! e grita!
fenda pela qual desapareço
caindo por uma vertente infinita)

todos elementos que lhe constituem
cortam, penetram, sangram e fluem
e me fazem me perder
ebulir e então ferver
como num vulcão
numa imensa escuridão
um breu, azeviche e fumaça de caminhão
é estrupício e  puro cesão,
é pura emoção,
que é pura pureza
e também pura impureza


e dormem ardentes
nos meus sonhos mais profundos
retratos diapositivos
dos meus antros mais imundos
aparecem e somem
e cintilam por segundos
ardem na chama intensa
dos desejos mais secretos
são a ponte balouçante e pensa
dos segredos mais discretos




quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Eu não sei se foram os olhos profundos, o toque da pele, a textura da cútis ou seu cheiro que me seduziram. Talvez tenha sido o conjunto da obra.
Os seus olhos, de um negro absurdo, redondos, gigantes, hipnóticos, aveludados, neles vislumbrei a síntese dos tempos e, como num poço sem fim, mergulhei para sempre e ainda estou caindo.
O contato da pele, a um simples primeiro contato,  me arrepiou. A textura da cútis parecia uma continuidade de mim.
Certamente, aquele tecido em que deitei meu corpo me foi concedido por encomenda. Literalmente rolei pelos seus meandros senti a sua extensão como uma verdadeira conquista, como aquela dos navegantes que ousaram e tomaram para si o Novo Mundo. O cheiro há de restar para sempre em minha memória. Vivo os dias em sua lembrança, inebriado, bêbado e enlouquecido.
Enquanto tirava sua roupa, cada peça por vez e lentamente, foi esculpindo em mim uma ereção universal. Ela tinha um jeito de se despir descortinando aos poucos um espetáculo escondido que era seu corpo.
E aí então fui todo língua e dedos. Re-esculpi inteiramente o contorno do seu corpo com o cinzel agudo e escarlate de minha língua. Escalei o cume ereto de seu seio, lentamente, como que fingindo ser difícil a escalada, mas não era. A única dificuldade era como a do desvendar de um mistério. E quando a penetrei, não havia mais eu ou ela, pois nos fundimos e viramos um só corpo, uma só emoção. Meu coração pulsava compassado com o seu coração. E nos desvencilhamos do nosso passado, para sermos só o presente dos nossos corpos interpenetrados, na língua, no sexo, na emoção e nos poros.
E eu explodi e ela explodiu. Explodimos ao mesmo tempo como um Vulcão grandioso que irrompe sobre si mesmo. Derramei minhas lavas quentes em seu vale. A partir daí, fomos um e mesmo sempre.

-x-

ai, quem dera. nossos corpos
bailassem encantados
numa dobra
do continuo espaço-tempo
e assim
neste hiato
enfim pudessem
vencerem incólumes
as muralhas
do tempo e da distância
e se fundissem
e se embalassem
e se enrolassem
mutuamente abraçados
e se fundissem nossas belezas
numa só e única beleza
num só verbo e substância
e que o meu rosto em teu rosto
o meu corpo em teu corpo
minha pele em tua pele
minha boca em tua boca
se mesclassem num só corpo
numa só boca, num só rosto e numa só pele
e eu já nem soubesse
onde termina meu braço
onde começa teu colo
onde começa tua lingua
onde termina meu peito
ai, quem dera
fossemos únicos e mesmos
e fossemos dois em um enfim

-x-

Outro dia, escutando rádio, coisa que não fazia há tempos, pude relembrar um samba que eu gostava muito quando era jovem. E ainda gosto, posso dizer.
Andava meio esquecido, mas como pude esquecer. Ela fala de coisas muito bonitas, que já eram bonitas naquele tempo em que eu era jovem, imagina agora, que já morreram em mim, os
sonhos de menino e já se foi meu pai? Pois ele fala justamente disso, dessas coisas que só a idade faz entender, mas que eu já entendia naquele tempo.

Para ouvir é só procurar no youtube ou ir ao endereço www.youtube.com/watch?v=Xm7VJMtZdZY‎

Mesmo que não goste de samba, não pode deixar de gostar de algo como "...pois me beijaram a boca e me tornei poeta..."

Espelho

Autor : João Nogueira

Nascido no subúrbio nos melhores dias
Com votos da família de vida feliz
Andar e pilotar um pássaro de aço
Sonhava ao fim do dia ao me descer cansaço
Com as fardas mais bonitas desse meu país
O pai de anel no dedo e dedo na viola
Sorria e parecia mesmo ser feliz

Eh, vida boa
Quanto tempo faz
Que felicidade!
E que vontade de tocar viola de verdade
E de fazer canções como as que fez meu pai (Bis)

Num dia de tristeza me faltou o velho
E falta lhe confesso que ainda hoje faz
E me abracei na bola e pensei ser um dia
Um craque da pelota ao me tornar rapaz
Um dia chutei mal e machuquei o dedo
E sem ter mais o velho pra tirar o medo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás

Eh, vida à toa
Vai no tempo vai
E eu sem ter maldade
Na inocência de criança de tão pouca idade
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai (Bis)

E assim crescendo eu fui me criando sozinho
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia eu me tornei o bambambã da esquina
Em toda brincadeira, em briga, em namorar
Até que um dia eu tive que largar o estudo
E trabalhar na rua sustentando tudo
Assim sem perceber eu era adulto já

Eh, vida voa
Vai no tempo, vai
Ai, mas que saudade
Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta
Mas tão habituado com o adverso
Eu temo se um dia me machuca o verso
E o meu medo maior é o espelho se quebrar (Bis)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Renatinha era dessas mulheres para as quais tudo é temporário. A roupa, o marido, o carro e a casa. Até o filho.
Ela gosta das coisas que os outros têm e logo cansa das suas. Já trocou de marido cinco vezes ... e de filhos também. E todos já tinham dona e ficaram depois ao léu... uns além. Se foram sob as nuvens da tempestade.
Seus momentos eram breves, cintilavam como diamante, mas eram apenas gota d'água que encandece ao ser tocada pela luz do Sol, mas que logo se evapora.
Ela não entendeu que certas coisas são permanentes, especialmente a solidão e foi assim que terminou os seus dias.
Elvira era dessas mulheres para as quais tudo é permanente. Tinha que ser, mas não foram. Ela perdeu o marido, os filhos e tudo o que tinha para Renatinha, que também ficou sem ninguém, assim como todos nós, por não entender a permanente impermanência das coisas, neste ciclo infindável de criação, destruição e perda, solidão e abandono.
Ora, esqueçamos de todos os males e mergulhemos lábios doces em vinho e façamos de conta ser o momento do encontro eterno - sussurram os amantes mutuamente sob os lençóis.

Foi apenas um comentário no blog da Ana, mas talvez tenha sido um pouco mais que isso:

a solução para todos os problemas que não existem é ser como a chuva, que não escolhe onde molhar e todo lugar é lugar para cair

a solução é fazer como o vento, que passa pela fresta das portas sem pedir licença e sai sem perguntar

a solução é ser como a primavera que não escolhe jardim pra florir, colore o mundo por igual, sem fazer distinções

a solução é ser como o mar, que apenas deita placidamente e faz através de seu corpo os continentes distantes se tocar

Desculpem pelo terceiro verso, eu copiei de uma canção que tenho na ponta da língua, mas não recordo o autor... mas que tenho tão aprofundado na alma que sinto como se fosse meu...rs

 Acrescentando
Lembrei... é  uma canção interpretada pelo MPB 4. composta pelo cubano Silvio Rodrigues e traduzida por Miltinho do MPB 4, chamada Por quem merece amor.

A letra abaixo com a passagem que imitei em negrito.

Por Quem Merece Amor


Te perturba esse amor?
Amor de juventude
Meu amor é amor de virtude
Te perturba esse amor?
Sem máscaras por trás
Meu amor é uma arte de paz
Te perturba esse amor?
Amor de humanidade
Meu amor é amor de verdade
Te perturba esse amor?
Com todos ao redor
Meu amor é uma arte maior
Meu amor, minha prenda encantada
Minha eterna morada
Meu espaço sem fim
Meu amor não aceita fronteira
Como a primavera
Não escolhe jardim

Meu amor, não é amor de mercado
Esse amor tão sangrado
Não se tem pra lucrar
Meu amor é tudo quanto tenho
E se eu vendo ou empenho
Para que respi-ra- a- a- ar
¿Te molesta mi amor?
Mi amor de juventud
Y mi amor es un arte en virtud
¿Te molesta mi amor?
Mi amor sin antifaz
Y mi amor es un arte de paz.
¿Te molesta mi amor?
Mi amor de humanidad
Y mi amor es un arte en su edad
¿te molesta mi amor?
Mi amor de surtidor
Y mi amor es un arte mayor
Meu amor, alivia e acalma
É o remédio da alma
Pra quem quer se curar
Meu amor é humilde é singelo
E o destino mais belo
É torná-lo maio- o- o- or
Meu amor, o mais apaixonado
Pelo injustiçado
Pelo mais sofredor
Meu amor abre o peito pra morte
E se entrega pra sorte
Por um tempo melho-o- o- or
Meu amor, esse amor destemido
Arde em fogo infinito
Por quem merece amor...

terça-feira, 15 de outubro de 2013

amava tanto
que passei tanto tempo
a lhe esquecer
que esqueci como se ama

o bê-a-bá do amor já não sei
soletro o beijo : bei-jo
na tentativa inútil
de reaprender o que esqueci

porém

só restam as cinzas, o pó e a pá
que o coveiro empunha
e a estrada sem fim e os olhos secos
vazios do seu semblante
e a vida é em pó, tal como a sopa
a sopa que esfria no prato
o prato que esfria na prateleira
a prateleira que esfria na parede fria
pois fria é casa vazia
pois vazia é casa sem seu corpo
pois vazio é meu corpo sem seus olhos
pois vazios são meu olhos sem você

não sou mais pão nem alimento
sou pão velho ao seu dispor ou de quem queira
Por não saber amar
Sou um saco vazio e sem peso
que o lixeiro esqueceu de levar



segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Aninha falava a não mais poder, falava de todo mundo, falava mais que todo mundo, falava mais do que a boca e mais até que os ouvidos de todo mundo. Não haviam palavras que bastassem e não bastavam os ouvintes que haviam.

Aninha não sabia a razão pela qual a natureza nos deu dois ouvidos e apenas uma boca. Por isso, não ouvia. Em compensação falava por si e pelo outros. Um dia, entretanto, cometeu um delize (uma coisa qualquer que fulana contou pra sincrana sobre ela ter sido vista em certo lugar com alguém, mas isso realmente não importa) e caiu na boca do povo.

A serpente, vitimada pelo seu próprio veneno, resolveu enfim silenciar.

- Ficou muda - diziam à boca pequena - pois o que antes dissera já compesara até o fim dos tempos. Quem não espera sua vez de falar acaba sendo silenciado.

-x-

Quer mudar o mundo? Então comece por você mesmo. A honestidade não é uma coisa para os outros, mas uma coisa para você. Faça do seu exemplo inspiração. Apenas quando tiver se tornado esta pessoa, que gostaria que as outras fossem, exija. Quando você, pregando a honestidade, é desonesto, você acaba sendo desonesto ao quadrado. Mas é tanta gente que é assim, que dá vontade de desistir de tudo.

Antes de mais nada e acima de tudo, não dê estúpidos contra-exemplos e torne as coisas ainda piores. Não esperem que limpem a calçada em frente a sua casa, pois ali é sua casa também. Se as ruas são sujas é porque o povo é sujo. Se o brasileiro é exemplo maior de higiene pessoal, por que não tem o mesmo comportamento com relação as suas cidades ? Criticam outros povos por não tomarem banho todos os dias, mas enchem as cidades de sujeira.

Digo isso, todo mundo só sabe dizer que todos fazem tudo errado, mas quem é que faz certo que nunca aparece?

Se todos, absolutamente todos, fazem tudo errado, então deveriam ficar quietos, ou então começar a fazer.


Mas, não. Apareceram milhares nas ruas e, com toda razão, urraram para que fizessem certo as coisas. Mas continua a não aparecer ninguém para fazer certo. Só gente para urrar por honestidade (tal como fazem os políticos, nada absolutamente nada de novo aí!) destruir, sujar, mas isto já era assim, não é mesmo?  Mais uma dose disso, a gente não precisa. Não consigo ver o que pode mudar deste jeito.
 
-x-

Cruzou oceanos, escalou e desceu gigantescas montanhas, tudo para encotrar o mestre que lhe daria enfim a luz.

Quando esquálido, enfraquecido, desnutrido, pálido e maltrapilho chegou ao seu destino, face a face com o sonhado guru, perguntou:

- Mestre, onde posso encontrar a luz?
- Dentro de você mesmo existe a luz, precisa encontrá-la por si mesmo.

Então, será que fizera todo o caminho em vão?

Às vezes, o que sonhamos se encontra tão perto e não percebemos.






-x-

Morreu mil vezes no caminho em direção ao cadafalso.
Quando a corda lhe envolvida, bruta, cortante, definitiva e impiedosamente a garganta, sentiu que seria apenas mais uma morte.
Antes da sentença fatídica ser executada, o mensageiro, esbavorida e apressamente, contra-sentenciou.
- O indulto foi concedido. Que a pena não seja executada.
Tudo em vão, pois a vida não acontece mais após se ter morrido tantas vezes.

-x-


era plena noite
e plenilúnio, mas mesmo assim
durante um eclipse
a Lua se escondeu de mim

a Lua foi sempre assim
e assim como você
ela é inconstante
ora se apresenta e me ama
mas no outro instante
foge de mim e me odeia
depois fica branca, nua e cheia (de luz)
e despudorada me seduz

(e a sua nudez reluz sob a luz nua da Lua)





faz de tudo para mim
mas o paraíso só dura um instante
e logo fica escura, crescente ou minguante
e se afasta de mim

(despudorada, desaforada e desafiante)

você que sempre foi e será minha dona
mas bem no meio da noite me abandona
sai de minha vida para sempre
com a Lua em seu ventre
túrgida, grávida,
inchada de tanto amor
amar-ga de tanto amar
e eu sofro, definho e morro
do meu céu noturno e da minha cama
eu nas alvuras dos meus vastos lençóis
úmidos de tanto receberem meu choro
eu tão triste assim
abraçado e enrolado a um travesseiro
sinto impregnar-se em mim
e ao seio da cama o teu cheiro

seus provocares me afrontam
e eu não suporto mais essas travessuras
que em meio à noite e a tantas venturas
a Lua e você me aprontam

-x-

Foi doce o momento
mas amarga a lembrança
entre os olhos
o golpe certeiro
estrelas no firmamento dos meus olhos
doeu mas foi bonito


eros e afrodite se encontravam
(ou dois outros deuses, não importa)
então uma estrela surgiu
e como tudo que nasce
sumiu no horizonte
e mergulhou na noite que nascia
do outro lado do mundo







quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O Inverno -Post antigo republicado


O INVERNO


Nos invernos de nossas vidas, a alma hiberna, as sementes das nossas vontades ficam latentes e dormentes, esperando o momento certo de serem novamente tocadas pela luz do sol.

Nos invernos, adormeço e entristeço. Parece que, assim como a  natureza, que precisa de um tempo para voltar com força  redobrada, nós também precisamos ficar, por vezes, tristes, frios, cobertos de gelo e, assim, conter-nos para recuperar as forças.

Por vezes, ficamos sorumbáticos, mas não estamos. Estamos hibernando, esperando o momento propício de voltar à vida. Há sabedoria no modo que a natureza encontra para se perpetuar.

Os invernos, por mais tristes e nostálgicos que sejam, são necessários. Um pouco de aridez ajuda a refertilizar o solo. É no inverno que a natureza prepara a primavera.

Em pleno inverno, a primavera inicia seu nascimento, tal como o feto que vai crescendo no útero materno. Quando brota a primeira flor anunciando o nascimento da estação, o broto, não sem algum esforço, ainda precisa romper uma fina camada de gelo. E logo que a arrebenta, é como se estivesse rompendo um cordão umbilical que a prendia ao seio da Terra. O húmus era a placenta que, no interior do útero da mãe Terra, a acalentava no inverno.

É isto: a Terra é a futura mãe, o inverno é o período de gestação e, em seu ventre, que, aos poucos, vai intumescendo, vai gestando a primavera, sua amada filha. Todos sabem que o filho em gestação consome os nutrientes da mãe e que a sua pele perde a cor, os ossos se fragilizam, assim como a natureza se descolore no inverno para nutrir sua prole. No inverno, vejo as flores que rebentarão do solo quando findar a gestação.

Sabedoria é enxergar no vazio do espaço o futuro que vai ocupá-lo, ou então, no outono, olhar os galhos vazios das árvores e ver as folhas que os rechearam na primavera.

Os momentos mais bonitos da natureza são aqueles em que dois opostos se embatem, e isto ocorre nas mudanças de estação. São momentos críticos em que a vida vence e se perpetua.

Assim é o parto. Assim é o romper da primavera. E o inverno ensina aos homens a serem prudentes, a construírem noutras estações o sustento que a natureza não poderá fornecer no inverno, ocupada que
está em preparar sua renovação.

Os homens evoluem, não pelas facilidades que encontram, mas pelas conquistas decorrentes da escassez com que se defrontam. Este ponto crítico da natureza, o inverno, me diz tantas coisas, que a cada primavera renasço junto com a natureza.

Para irromper em vida nos dias, preciso adormecer nas noites.



Meteorologia

Previsão do tempo: chuva esparsas ao longo do período, com fortes pancadas ao final do dia. Estúpido temporal que rompe dos céus, molhando minhas árvores, inudando meus rios. Abracadábrico vendaval de sutilezas, adentrando minhas ventas, penetrando meu pulmões sujos do ar das cidades poluídas, limpando a sujeira depositada pelos escapamentos que vorazmente devoram galões de gasolina aditivada, gasolina que veio dos veios da terra, que veio das veias negras do fundo da terra ,arrancadas junto com os cascalhos que as torrentes dos rios há milhões de anos ali deixaram. Veias velhas, veios vis, velhas vilas, valentes valetes, vales valéricos das ácidas chuvas. Quando estou andando na chuva, lembro de todas às vezes que a vida me aplicou algum tipo de golpe e das vezes que caí por terra. Ao tempo em fiquei prostrado, isto me deixou triste, querendo que as coisas fossem diferentes, mesmo sabendo que não poderiam sê-lo. É que as coisas quando se passam, se tornam necessárias, mas só então. Antes eram apenas possibilidade. Eu acredito e desacredito do destino. Da mesma forma, eu acredito e desacredito da meteorologia. O destino é uma combinação de predeterminação e construção. Se tudo já estivesse escrito há muito tempo, não haveria nada o que escrever. Nem dos temporais nem do estio poderiam escrever os meteorologistas. Já pensaram! Minhas tolas palavras que junto neste arremedo ainda agora, teriam sido escritas há muito tempo por alguém mais tolo ainda, pois só um tolo ficaria perdendo tempo com alguém que fica perdendo tempo escrevendo o que já havia sido escrito por não ter outra coisa para fazer, tendo poder para escrever coisas muito mais importantes. Eu sou contra os profetas! Peço o fim dos augúrios. Afastem-se de mim videntes! Estes que previram o que ia acontecer. Ainda que pense que, talvez, eles estivessem certos. Acho que eles eram pessoas notáveis e admiráveis. Mas, no fundo, eu não quero saber qual será o meu destino. Prefiro continuar nesta ilusão de que eu estou me fazendo e as coisas que faço, por menores que sejam, são coisas que advém do meu próprio mérito. Se souber que hei de vencer antes da luta, nada farei para vencê-la. Por que, se já sei que está escrito, de que adiantaria?. Que adiantaria escrever estas pobres e podres palavras, escritas desde o princípio do tempo, embolorados e antecipadas pelos profetas. Por isto sou contra a previsão do futuro. Peço o fim da meteorologia. Não quero saber se vai dar praia ou não, amanhã. Quero me escandalizar com o Sol! Quero ser supreendido pela a chuva! Vamos supor que eu consultasse uma astróloga para saber se meu encontro com minha paquera ia dar certo. Se o horóscopo dissesse que sim, eu precisaria me esforçar para conquistá-la e provavelmente daria errado. E se desse certo, não seria por meu charme que eu a conquistara mas pelo arbítrio de algum escrivinhador de destinos, uma concessão dos céus ou de espíritos insepultos. E se eu fosse prestar um concurso e um futurólogo me dissesse que eu iria passar, ou que, por outro lado, não passar? De que adiantaria eu estudar e me preparar para o concurso? Não estudaria e a bomba estaria armada. Futurólogos, me deixem em paz, eu pago para não saber o futuro! Com certeza é o estudo o principal fator decisivo neste caso. Se eu passei em um concurso, isto não foi obra de algum arquiteto, ou adivinho. Eu me determinei para tanto e estudei muito. Eu tive mérito. Não existem pessoas inteligentes ou predestinadas. Existem pessoas que querem, que tem vontade. A vontade é o grande elemento. Acho que há uma parte escrita do futuro e outra ainda por escrever. Esta última é que importa para nós. A outra, apenas devemos aceitá-la como é, já que nada podemos fazer para mudá-la. Não me digam o meu futuro. A página já escrita ainda deve ser virada. Quero ler o livro da minha vida, desevendando-o, página a página. Quero que ele seja um livro que vai sendo escrito à medida que as páginas são abertas. E que a cada página eu me supreenda. Quero todos dias ver o por do Sol como uma coisa que ainda não estava escrita há milhões de anos e me admirar de sua maravilha. As páginas que já foram escritas, farei delas uma fogueira para me aquecer nas noites frias. E o mistério estará na página que ainda não virei, na página da vida que ainda não escrevi.
 


terça-feira, 8 de outubro de 2013

Quarto dia

um dia, dois dias, três dias
porque não quatro dias?
pois eu só tenho três dias
por isso, um dia a mais
este quarto dia
que tanto me satisfaria
vale muito mais
que todos os dias
que todos têm
mas que não percebem

eu tinha todos dias também
mas agora
só tenho três dias
e um dia mais vale mais
agora do que antes valia
e este quarto dia
este santo quarto dia
vale tanto quanto valeria
um simples dia
para quem não tem
nem ao menos um dia
pois um dia
para quem não o tem
vale mais que todos
os dias que antes teve

ai! só um dia
me bastaria
para fazer tudo o que não fiz
se eu escapasse por um triz
do fatídico dia
de que não hei de escapar
pois num pequeno dia
diminuto e insignificante
pode-se fazer tudo o que não se fez
quando se tinha a eternidade
a seu inteiro dispor
pois só na escassez dos dias
é que os dias valem
e eles de nada valem
para quem deles muito têm

(um dia a mais
não é um terço a mais de viver
mas a vida todo que tenho)

Se eu pudesse recuperar meu passado
e fazer tudo o que fiz de  novo
eu faria do mesmo jeito
mas percebendo a tudo
de um jeito bem diferente
pois sei que fiz diferença
mas quando fiz
eu não percebi
pois os dias de que dispunha eram tantos
que parecia não fazer diferença eu viver
mas agora que sei que sou feito de carne
desta carne tão breve e passageira
que em pouco tempo se putrefaz
eu saberia o valor
que tem este quarto dia
de que agora já não disponho

domingo, 6 de outubro de 2013

colo minha ávida boca
ao cobre pleno de tanto Sol
da alva pele que se cobre teu corpo
sorvo ali as mil cores do arco-iris
um beijo multicolorido
no vermelho monocromático
e sanguinolento de minha lingua
desejo escarlate 
que mingua feito Lua
se se afasta do dia
bebo a luz de mil Sóis e de mil Luas
que orbitam sobre alvura imaculada
plenilúnio que faz surgir o dia na noite
embriago-me de luz na nudez de tua tez

-×-Aula de Química

1-   Eu sou eutético
Tu, azeotrópica
ebulimos e congelamos a temperaturas diferentes

2- Amando-se
 dois corpos ocupam um mesmo lugar no espaço

3- Avogadro

Meu coração apesar de pequeno
é maior do que o Sol
nele cabe mais amor
do que moléculas num mol
-×-

Conto sem fim

  Tinha que esquecer, afinal já faziam dez anos que a havia perdido. Nestes dez anos afogara-se em lembranças, revivera mil vezes os mil momentos e para ele não poderia haver outra em sua vida. 0 afastamento Temporal dos acontecimentos Tem este efeito de lente de aumento ou de diminuição a depender se se tratam de bons ou maus momentos, os primeiros ficando cada vez melhores enquanto os últimos não sendo gradativamente esquecidos. Efeito exatamente contrário que ocorre quanto ao futuro. Além disso se descuidara de tudo, barba por fazer, os olhos vermelhos das noites mal dormidas, olheiras, papada, rugas, cabelos quebradiços e sem cor , os ossos saltando espetados por todos os lados de seu corpo, os músculos flácidos. Isso sem falar nos efeitos nocivos do uso prolongado e quase continuo do álcool e do cigarro que lhe consumia o corpo, a mente e o bolso. Tinha que mudar, não havia sentido em continuar a viver só para sofrer.   O que ele fará agora?
A. Muda de emprego
B. Compra uma arma e se suicida
C. Compra uma arma e começa a assaltar bancos
D. arranja uma namorada
E. Entra para o AA.
F. (...)Invente uma saída G.