segunda-feira, 25 de julho de 2016

O parque secreto de Kinster

Associação de idéias com conceitos sugeridos pela SMAReis do blog Caminhos, Tropeços e Vitórias.

1 - Montanha russa
2-  Casa macabra
3 - Ilha

Parte 1 - A história da ilha
Dizem que há muitos anos a ilha Kinster não é mais habitada. Muitas lendas se contam sobre os antigos e atuais habitantes. Antigamente, uma antiga, sinistra e rica família provinda da Panônia em tempos imemoriais era proprietária centenária da ilha, mas entraram em decadência e um acidente ambiental tornou a ilha inabitável aos seres humanos. Atualmente a ilha é totalmente infestada de serpentes muito venenosas. Dizem que esta ilha, ponto de desova das aves, era local ideal para a vida das serpentes que se alimentam de ovos de pássaros, e devido a isso, uma superpopulação se desenvolveu, tornando qualquer visita extremamente perigosa. Por outro lado, os Kinsters, a familia que era dona da mansão, entrou em decadência pois as sucessivas gerações foram enlouquecendo.
Diziam que o primeiro Kinster foi um vampiro que privou da companhia de outros vampiros, inclusive o conde Vlad.  A propriedade ancestral havia sido em algum lugar indeterminado as margens do rio Morte. Muitas lendas acompanharam a sinistra familia desde o velho continente. Falando de tempos mais recentes, mas não tão recente assim, era famosa a história do último Kinster. Leopoldo Kinster III, era esse o seu nome, tinha obsessão com brinquedos de parques de diversão e ele se especializou em construir montanhas russas, rodas-gigantes e carrosséis para diversos parques do mundo.  Chegou a ser famoso nesta arte, tendo seus brinquedos instalados em parques de Borobudur, Rabat e Vladivostok. Irkutsk, Abidjan e Tegucigalpa. Seus brinquedos eram famosos pela originalidade. Sua montanhas russas possuíam túneis, o trens saltavam de um trilho para o outro voando sobre os vãos, duplos loops e tudo que se pudesse ou, principalmente, não pudesse imaginar. Suas rodas-gigantes não apenas rodavam em uma direção mas alternavam sua rotação sobre diversos eixos de direções ortogonais, ora girando em torno de eixos horizontais, ora girando sobre o tradicional eixo vertical ou, ainda, girando em torno de um eixo inclinado e alternado. Suas máquinas eram multidimensionais e ousadas. O trem fantasma passava por lagos de ferozes crocodilos, aves de rapina famintas e os horrores que ele produzia foram gradativamente se tornando mais reais até o ponto de serem verdadeiros. Mortes aconteceram e o lunático Leopoldo Kinster foi acusado de homicídio. Ele foi para prisão e passou o resto de seus dias como presidiário, restando a propriedade da ilha Kinster abandonada definitivamente. Os piores assassinos tinham medo de Kinster. Diziam a boca pequena que só matava por desmembramento vivo e que ele conhecia a terrível prática dos encolhedores de cabeça que vivem na floresta amazônica e que retiravam o rosto de suas vítimas com estas ainda vivas e anestesiadas por curare.  Sob o efeito do curare, as vítimas sentem dor, tem consciência de tudo a sua volta, mas não conseguem movimentar os músculos.
Dizem também da insólita construção que se constituía na mansão dos Kinsters. Em tudo se pareceria a um verdadeiro castelo de Drácula. O aspecto macabro da construção, a hera que subia pelas suas paredes e o próprio fato de ter sido construída na encosta de um precipício, uma gigantesca falésia a beira-mar que se projeta sobre a arrebentação de violentas ondas, tudo pareceria ter sido retirado de um filme de horror dos mais sinistros e povoava a imaginação do vulgo, do inculto, da gentalha e das crianças. Sobretudo das crianças. Toda gente culta e sensata desacreditava por completo nessas histórias que eram o deleite daqueles outros. Estes diziam que nada se sabia sobre a ilha e era melhor não saber, deixá-la para sempre a margem dos tempos. Apenas para não desenterrar as más lembranças, mas acho que era por medo mesmo.
Após o abandono da propriedade, alguns animais peçonhentos que eram criados por Leopoldo, pois este tinha mania de criar aranhas, escorpiões, sapos, serpentes para destilar e produzir diversos tipos de venenos, morreram de fome, pois pararam de ser alimentados, mas as serpentes conseguiram fugir e se multiplicaram por toda a ilha, transformando-a num dos maiores serpentuários do mundo, sendo hoje os únicos herdeiros dos Kirnstens. Bom, era o que se dizia, pelo menos.
O que sabe ao certo é que ficou a ilha abandonada, pois Leopoldo não tinha herdeiros e era o último dos Kinsters, que a ilha foi tomada pela floresta e pelas serpentes venenosas e a casa ficou definitivamente abandonada.


Parte 2 - a excursão até a casa mal assombrada

Com tantas histórias que se contava sobre a ilha dos Kinster, nunca ninguém tinha coragem e se atrevia a atracar ou se aventurar na ilha.
Eu sempre fui muito curioso e sonhava com uma aventura na ilha. Durante um ano planejei cuidadosamente  aquela supina aventura. Não podiam faltar recursos, tais como água, alimento, fogo, armas para me proteger dos predadores venenosos. Não acreditava muito nas histórias que contavam, nem a das cobras, mas, não se podia desleixar nos cuidados.  Convenci um amigo a ir comigo, pois não convinha ir sozinho,  e deixei um recado lacrado contando o que eu ia fazer, pois não convinha estar em lugar indeterminado em caso de emergência. No envelope escrevi, abrir apenas no dia ... se eu não tiver voltado. Era um dia depois do que eu planejava voltar.

Um barco, uma tenda para dormir, fósforos para acender uma fogueira... Tudo pronto.
Ao amanhecer de uma quinta feira iniciamos, eu e André Alemar, meu corajoso colega, a ousada empreitada.
 O trajeto do porto até a ilha foi tranquilo. O tempo estava bom, o Sol brilhava intensamente e apenas algumas cirrus pincelavam de branco a tela azul cerúleo do céu.  A orla amarelo-terra da ilha despontava orlando de ouro-sujo a escuro-verdejante encosta enquanto  aves soturnas flanavam por todo lado, mostrando que não devia haver tantas serpentes assim.
Logo que aportamos na praia que circunda a enseada principal onde ainda há um pier construído pelos antigos moradores da ilha, pegamos as mochilas e partimos.
Realmente, haviam muitas serpentes pelo caminho e conseguimos até matar algumas delas, mas, certamente, eram bem menos do que se dizia. Havia também escorpiões e aranhas, assim como sapos. Nada de mais. Depois de uma hora de caminhada através do caminho íngreme, porém calçado, apesar de tomado pelo mato e pelo musgo, em forma de degraus, por isso precisávamos andar com muito cuidados para não escorregar, avistamos o casarão tomado por trepadeiras.
 O conjunto, visto de longe, já era bastante assustador, fazendo jus as mais macabras histórias que se contavam. Porém, a medida que nos aproximávamos, o aspecto ia se tornando mais terrível, ultrapassando os limites da imaginação. Por todo parte a podridão, o abandono, as serpentes, sapos e escorpiões, sem falar em uma população enorme de morcegos, ratos e outros vadios noturnos.

Parte 3 - o parque de diversões secreto
Tinha que ter muita coragem para entrar ali. Imponente, porém sinistro, era um verdadeiro castelo, daqueles saídos das páginas de um romance de horror.
Arrodeamos a murada externa e encontramos o portão principal. Estava aberto. As portas rangiam tal come se gemessem de dor quando movimentadas. No interior do castelo o vento passeava por portas, janelas e frestas fazendo um som de lamúrias, como se almas penadas chorassem intensamente os tempos passados. Ali havia certamente uma história triste, de sofrimento. O que nos espantou foi encontrar pegadas sobre a poeira secular do assoalho. Quem poderia ter entrado ali recentemente?
Seguimos as pegadas e qual não foi nossa surpresa quando percebemos que, a medida que adentravamos o castelo, a esta pegada se juntavam outras, diferentes, pegadas de vários tamanhos, mas principalmente pequenas, de mulheres, crianças, quem sabe anões. Anões, isso mesmo! Uma das mais improváveis histórias que se contava a boca miúda nos bares mais escuros e nas esquinas mais solitárias sobre Leopoldo era que ele fazia experiências genéticas e que havia feito experiências com genes de anões. Diziam que havia descoberto a maneira de replicar anões. A história não era das mais populares, pois se considerava inteiramente improvável tanto as experiências do alquimista charlatão, quanto mais esta absurda descoberta. Consideravam simplesmente como mera fábula.
A medida que desciamos escadas tenebrosas, escuras, mais pegadas. E mais pegadas, até que começamos a ouvir  gritinhos alegres, mas ainda que fossem alegres, nosso sangue congelou nas veias. O jeito foi acelerar a batida dos nossos corações para que o sangue voltasse a circular nas veias e aquecer o corpo.
Enfim, um grande portão com uma bilheteria ao lado. Em cima, um cartaz anunciava altissonante  O grande parque de diversões de Kinster.
O que? Um parque de diversões secreto no porão do porão do porão do castelo? Não podia ser verdade, simplesmente era impossível. Abrimos o portão e nos estarrecemos vendo funcionar a todo vapor as máquinas maravilhosas e perigosas do incrível mas verdadeiro Leopoldo Kinster. E brincando alegremente e gritando de alegria, anões. Muitos anões, todos eles iguaizinhos. Eles simplesmente se comportavam como robôs. Eram incapazes de nos perceber. Só viam os brinquedos, apenas os brinquedos e nada mais.

Parte 4 - O laboratório e o livro de mágicas

Saímos do parque e seguimos procurando, não sabiamos muito bem o que. Na verdade sabíamos, apenas não queríamos no confessar um ao outro. O que queríamos, era o laboratório de Leopoldo, encontrar seus instrumentos, seu livro secreto de mágicas. Queríamos saber como funcionavam aquelas máquinas assustadoras e maravilhosas e, principalmente, como produzir anões robóticos e imortais, que não precisavam de alimento ou combustível para funcionar.
E, de fato, encontramos o tal laboratório e, o que era mais precioso, o livro de mágicas.
Infelizmente, o livro estava escrito numa linguagem única, uma mistura de Panonês arcaico com ilirio medieval e mais uma pitada de dalmácio moderno. Ninguém sabia como traduzir esta estranha e única  linguagem. Ainda bem que o documento foi considerado legítimo e conseguimos vendê-lo por uma pequena fortuna para um colecionador. O parque secreto foi aberto ao público o que nos rendeu notoriedade. Os anões foram estudados e muitas ONGs protetoras dos direitos humanos se revoltaram com as experiências a que foram submetidos.

Um comentário:


  1. Que história fantástica Benno. Você é mesmo um contista dos bons. Quanta criatividade. Conseguiu tecer essa história de uma forma maravilhosa e muito criativa. Surpreendeu-me de verdade. Essa ilha tem uma mistura de realidade e ficção, e uma família muito sinistra que prende o leitor do começo ao final. Pra quem gosta de aventura esse parque é tudo de bom... Essa montanha russa é uma loucura, trens saltando de um trilho para o outro voando sobre os vãos, duplos loops, rodas- gigantes girando adoidada –mente. Esse trem fantasma é assustador também, sem contar nesses animais peçonhentos que habitava na ilha. Até anões habitava por lá. Fiquei até tonta dentro desse parque enquanto te lia. Deu até arrepios.
    Que coragem em conhecer essa ilha, eu preferia esquecer. Ainda bem que o livro de mágica encontrado rendeu uma pequena fortuna. A finalização foi bem construída, gostei bastante.
    Você escreveu muito bem esse conto, só posso mesmo e parabenizar pelo seu talento e suas ideias. Até o nome da ilha foi bem escolhido. Muito bom mesmo. Parabéns!
    Quem ganhou com isso, somos nós os seus leitores, por ter a oportunidade de ler um conto tão bem construído como esse.
    Acho que não fui tão infeliz na escolha dos nomes rsrsr. Rendeu uma bela história. Você realmente é engenheiro de idéias.
    Se um dia você publicar seus escritos, eu com certeza quero adquiri um exemplar autografado ok?
    Vou deixar um link na próxima postagem do meu blog, indicando seu blog.

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