segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

De que me adianta
o que um dia escrevi
 - o poema é como a flor
que um dia vicejou sozinha no campo
e morreu sem colorir um olhar.
Eu só sei pensar
 no verso que ainda não compus
o passado é passado
o poema escrito morreu
só ficou o sentimento que um dia senti
ou a saudade
-x-

o vento sopra
 o silêncio fala
 o dia se cala
 e ouve o tempo passar


(quem berra apressado
 faz o tempo calar
 quem fala demais
 faz o vento parar

 como as gaivotas se espreguiçando ao longo das correntezas)

Porque dizer se tudo por si e em si já se diz ?

Para quê batizar com palavras  as coisas se a coisa que representa a palavra já era ela mesma mesmo antes de ser batizada?

Não é o olhar que cria a coisa, mas a coisa que cria o olhar

 por isto quem é sábio pouco fala
 e aponta com um simples olhar o que deve ser sabido
 sem nomear as coisas

 enquanto isso
 os ignorantes esbravejam tolamente sem serem ouvidos

... quem sabe eu fale num outro momento mais oportuno

  por hora sou o silêncio e a solidão de um campo ermo e árido se estendendo até o horizonte.

o vento sopra
 o silêncio fala
 o dia se cala
 e ouve o tempo passar


-x-

Fitam, pela última vez, a terra árida, olhos semi-áridos. É que a tanta tristeza de saudades da extinta beleza, da triste visão do verdor antigo agora vestido de descolorido cinza, juntou os restos de umidade do corpo e preparou uma derradeira lágrima, matando de sede o pobre sertanejo.

-x-

não está na cor

a virtude

dos meus olhos

mas em saberem

tomá-la

emprestada

ao Sol

-x-

as coisas mais belas da vida

veio o tempo

e, inclemente, levou

bom que a lembrança

do que era triste

levou junto consigo

-x-

duas palavras suas

e será meu o céu

e serão minhas as nuvens

as aves, a chuva e tudo mais

que lá habita

uma delas

ainda que suprimida

poderá ser inferida

a outra

jamais será dita

mas procurarei adivinhar

ou seja

não precisa dizer mais nada

seu silêncio será meu céu

seu olhar já me é bastante

e seu corpo há de me valer

-x-

a Lua não é minha

nem de ninguém

pois que de todos

(assim como teu corpo)

por ser de toda gente

aproprio-me

de sua luz

quando teus olhos

a refletem

(doce e inútil consolo)

-x-

o azul gélido

de icebergs flutuantes

dos meus olhos

derrete-se

ante o ardor

do teu olhar

e se espalha

na iris o verde

tépido encontro

de correntezas

opostas no mar

-x-

Ao meu lado

és um Sol e me amanheces

desabrochas meu ser

como a uma flor

em pétalas prenhes de amor

de beijos e abraços

como os pássaros

hei de seguir os teus passos

longe de ti sou sombras de mim

meu coração anoitece

-x-

o que sobra, depois que tudo se acaba?

das grandes cidades o nome

das grandes guerras a fome

e dos grandes reis restam os ossos

mas do amor que te tenho

que há de restar

depois que a gente se for?

na semente que plantamos

nada de nós restará

pois quando a flor nascer

ficará apenas a flor e só ela

-x-

A beleza nunca falta, apenas os olhos podem faltar, disse-me isso uma estonteada e colorida borboleta quando avistava o Sol depontar no horizonte. Mas uma avezinha sozinha no ramo mais alto de árvore reprovou e voou para um lugar ainda mais alto. Ah! essas flores do céu que cantam e voam! Quem me dera ser uma delas e ver o mundo de um jeito diferente. Mas meus pés presos andam no chão, o meu olhar vive preso no céu,e a mente a voar para bem longe.

O vento geme em meus ouvidos e anuncia a tempestade.

O brilho intenso de mil relâmpagos incendeia o céu.

O ronco estúpido de mil tovões entope meus ouvidos.

O poema é mulher : o prazer sexual de gerir a idéia, a dor de parir a palavra e amamentar o verso.

Eu sou homem e só sei fazer a primeira parte

-x-

Toda vez é isso. Tenho tanta coisa para falar, mas não consigo.

Eu queria ser tipo um grande escritor, um grande poeta. Mas quando penso em dizer alguma coisa , algum deles já o disse. Nessas horas eu odeio os poetas por terem dito tudo antes de mim. E eu só fico a repeti-los numa ladainha interminável.

6 comentários:

  1. Deixo-te uma estorinha....

    Assim que anoiteceu, saiu para pescar.

    Peixes não, estrelas.

    Afastou-se da casa, atravessou um campo até o seu limite.

    Na linha do horizonte, sentado à beira do céu,

    abriu a caixa das frases poéticas que havia trazido como iscas.

    Escolheu a mais sonora,

    prendeu-a firmemente na rebarba luzidia.

    Depois, pondo-se de cabeça para baixo,

    lançou a linha no imenso azul, deixando desenrolar todo o molinete.

    E paciente, enquanto a Lua avançava sem mover ondas,

    começou a longa espera
    =
    de que uma estrela viesse morder o seu anzol.



    Marina Colassanti



    beijo

    ResponderExcluir
  2. QUE "VENDAVAL" poético e não só. Homem de Deus!

    O que tem na boca, Benno? Palavras e tudo aquilo que com elas pode fazer, com elas e com sua boca noutra boca.

    Que divagação racional, matemática, meia "louca", que JAMAIS ouvi, ou li.

    Ninguém disse o que você disse/diz, porque cada um de nós tem seu próprio estilo, e não há dois poetas, nem dois camponeses iguais.

    ADOREI E ME PERDI, POR AÍ, NA SUA "LADAINHA".

    Beijo.

    Luzes e Luares esperam você. Obrigada, Engenheiro!

    ResponderExcluir
  3. Então... façamos! "O que se leva desta vida, é a vida que a gente leva!" Beijo!

    ResponderExcluir
  4. Isso é uma cascata de belos versos...Concordo: É a coisa que faz o olhar.
    Benno, beijos!

    ResponderExcluir
  5. Olá Benno,

    Há de tudo em seus versos: belos pensamentos, romantismo e filosofia.
    "A beleza nunca falta, apenas os olhos podem faltar". Borboleta sábia!
    Você tem um estilo peculiar de escrever e versar e gosto muito.
    Adorei ler.

    Beijo.

    ResponderExcluir
  6. "...
    Eu queria ser tipo um grande escritor, um grande poeta. Mas quando penso em dizer alguma coisa , algum deles já o disse. Nessas horas eu odeio os poetas por terem dito tudo antes de mim. E eu só fico a repeti-los numa ladainha interminável."

    Já somos dois!

    Um abraço

    ResponderExcluir