De que me adianta
o que um dia escrevi
- o poema é como a flor
que um dia vicejou sozinha no campo
e morreu sem colorir um olhar.
Eu só sei pensar
no verso que ainda não compus
o passado é passado
o poema escrito morreu
só ficou o sentimento que um dia senti
ou a saudade
-x-
o vento sopra
o silêncio fala
o dia se cala
e ouve o tempo passar
(quem berra apressado
faz o tempo calar
quem fala demais
faz o vento parar
como as gaivotas se espreguiçando ao longo das correntezas)
Porque dizer se tudo por si e em si já se diz ?
Para quê batizar com palavras as coisas se a coisa que representa a palavra já era ela mesma mesmo antes de ser batizada?
Não é o olhar que cria a coisa, mas a coisa que cria o olhar
por isto quem é sábio pouco fala
e aponta com um simples olhar o que deve ser sabido
sem nomear as coisas
enquanto isso
os ignorantes esbravejam tolamente sem serem ouvidos
... quem sabe eu fale num outro momento mais oportuno
por hora sou o silêncio e a solidão de um campo ermo e árido se estendendo até o horizonte.
o vento sopra
o silêncio fala
o dia se cala
e ouve o tempo passar
-x-
Fitam, pela última vez, a terra árida, olhos semi-áridos. É que a tanta tristeza de saudades da extinta beleza, da triste visão do verdor antigo agora vestido de descolorido cinza, juntou os restos de umidade do corpo e preparou uma derradeira lágrima, matando de sede o pobre sertanejo.
-x-
não está na cor
a virtude
dos meus olhos
mas em saberem
tomá-la
emprestada
ao Sol
-x-
as coisas mais belas da vida
veio o tempo
e, inclemente, levou
bom que a lembrança
do que era triste
levou junto consigo
-x-
duas palavras suas
e será meu o céu
e serão minhas as nuvens
as aves, a chuva e tudo mais
que lá habita
uma delas
ainda que suprimida
poderá ser inferida
a outra
jamais será dita
mas procurarei adivinhar
ou seja
não precisa dizer mais nada
seu silêncio será meu céu
seu olhar já me é bastante
e seu corpo há de me valer
-x-
a Lua não é minha
nem de ninguém
pois que de todos
(assim como teu corpo)
por ser de toda gente
aproprio-me
de sua luz
quando teus olhos
a refletem
(doce e inútil consolo)
-x-
o azul gélido
de icebergs flutuantes
dos meus olhos
derrete-se
ante o ardor
do teu olhar
e se espalha
na iris o verde
tépido encontro
de correntezas
opostas no mar
-x-
Ao meu lado
és um Sol e me amanheces
desabrochas meu ser
como a uma flor
em pétalas prenhes de amor
de beijos e abraços
como os pássaros
hei de seguir os teus passos
longe de ti sou sombras de mim
meu coração anoitece
-x-
o que sobra, depois que tudo se acaba?
das grandes cidades o nome
das grandes guerras a fome
e dos grandes reis restam os ossos
mas do amor que te tenho
que há de restar
depois que a gente se for?
na semente que plantamos
nada de nós restará
pois quando a flor nascer
ficará apenas a flor e só ela
-x-
A beleza nunca falta, apenas os olhos podem faltar, disse-me isso uma estonteada e colorida borboleta quando avistava o Sol depontar no horizonte. Mas uma avezinha sozinha no ramo mais alto de árvore reprovou e voou para um lugar ainda mais alto. Ah! essas flores do céu que cantam e voam! Quem me dera ser uma delas e ver o mundo de um jeito diferente. Mas meus pés presos andam no chão, o meu olhar vive preso no céu,e a mente a voar para bem longe.
O vento geme em meus ouvidos e anuncia a tempestade.
O brilho intenso de mil relâmpagos incendeia o céu.
O ronco estúpido de mil tovões entope meus ouvidos.
O poema é mulher : o prazer sexual de gerir a idéia, a dor de parir a palavra e amamentar o verso.
Eu sou homem e só sei fazer a primeira parte
-x-
Toda vez é isso. Tenho tanta coisa para falar, mas não consigo.
Eu queria ser tipo um grande escritor, um grande poeta. Mas quando penso em dizer alguma coisa , algum deles já o disse. Nessas horas eu odeio os poetas por terem dito tudo antes de mim. E eu só fico a repeti-los numa ladainha interminável.
Deixo-te uma estorinha....
ResponderExcluirAssim que anoiteceu, saiu para pescar.
Peixes não, estrelas.
Afastou-se da casa, atravessou um campo até o seu limite.
Na linha do horizonte, sentado à beira do céu,
abriu a caixa das frases poéticas que havia trazido como iscas.
Escolheu a mais sonora,
prendeu-a firmemente na rebarba luzidia.
Depois, pondo-se de cabeça para baixo,
lançou a linha no imenso azul, deixando desenrolar todo o molinete.
E paciente, enquanto a Lua avançava sem mover ondas,
começou a longa espera
=
de que uma estrela viesse morder o seu anzol.
Marina Colassanti
beijo
QUE "VENDAVAL" poético e não só. Homem de Deus!
ResponderExcluirO que tem na boca, Benno? Palavras e tudo aquilo que com elas pode fazer, com elas e com sua boca noutra boca.
Que divagação racional, matemática, meia "louca", que JAMAIS ouvi, ou li.
Ninguém disse o que você disse/diz, porque cada um de nós tem seu próprio estilo, e não há dois poetas, nem dois camponeses iguais.
ADOREI E ME PERDI, POR AÍ, NA SUA "LADAINHA".
Beijo.
Luzes e Luares esperam você. Obrigada, Engenheiro!
Então... façamos! "O que se leva desta vida, é a vida que a gente leva!" Beijo!
ResponderExcluirIsso é uma cascata de belos versos...Concordo: É a coisa que faz o olhar.
ResponderExcluirBenno, beijos!
Olá Benno,
ResponderExcluirHá de tudo em seus versos: belos pensamentos, romantismo e filosofia.
"A beleza nunca falta, apenas os olhos podem faltar". Borboleta sábia!
Você tem um estilo peculiar de escrever e versar e gosto muito.
Adorei ler.
Beijo.
"...
ResponderExcluirEu queria ser tipo um grande escritor, um grande poeta. Mas quando penso em dizer alguma coisa , algum deles já o disse. Nessas horas eu odeio os poetas por terem dito tudo antes de mim. E eu só fico a repeti-los numa ladainha interminável."
Já somos dois!
Um abraço