Sergisvaldo era assim desde menino. Com seu olhar,
dominava a todos. Os pais, os amigos, os professores, adultos, velhos e
crianças morriam de medo daquele olhar. Ele se acostumou com aquilo e
obtinha tudo que queria com um simples olhar. Seu olhar era uma ordem e
pronto. Nunca ninguém havia tentado descobrir o que aconteceria em caso
contrário.
Sempre foi assim, até conhecer Marisnalva. Ela
tinha o olhar ainda mais poderoso, pelo menos para ele. Ela também foi a
primeira a contestar seu olhar e a sua primeira mulher de verdade
também. Foi amor a primeira vista e foi a primeira vista que ele se
entregou aos seus comandos. Se casaram em pouco tempo.
Ele
obedecia e tinha medo. Ela o surrava vez por outra com um terrível
chicote e ele simplesmente não conseguia reagir àquele olhar. El,e que
de mandão virou submisso, de lobo se viu transformado em cordeiro,
aguentou aquela situação apenas por algum tempo. Um ano e meio, para ser
mais exato.
Um dia, quando ele quis de verdade realizar uma
fantasia sexual e Marisnalva não o permitiu, apesar de suas insistência e
apesar de ele nunca ter se recusado nada a ela, por mais estranho e
humilhante que fosse. Não só recusou como acabou o surrando com o
chicote e enchendo suas costas de lanhos sangrentos, e o amor se
transformou em ódio, na mesma intensidade só que ao contrário.
Ele
decidiu que só tinha um jeito. Era matar Marisnalva ou se condenar a
submissão por todo o sempre. Ficou com a segunda opção, é claro.
Ele
deixou um facão sob a almofada do sofá. Não havia perigo dela descobrir
pois ele é quem arrumava a casa. Isto ela deixou claro desde o
princípio. Mas, chegado o momento dele executar seu plano, aproveitar
que ela estava distraída e golpeá-la pelas costas, ela se virou e o
fuzilou com seu olhar mais indiscutível e ele recuou e desistiu como
sempre.
Num primeiro momento, ele desistiu da ideia, mas depois
descobriu por acaso que ela o estava traindo com outro homem e
resolveu-se novamente a enfrentá-la. Mas, para isso, primeiro precisava
treinar. Talvez, se se acostumasse a matar, enfrentasse a situação e se
acostuma-se a ela, talvez não recuasse numa outra tentativa. Resolveu
começar com alguma vítima ao mesmo tempo aleatória e indefesa.
Uma criança. Porém as crianças tem pais. Mesmo assim, é um bom começo, não tem força nem experiência para se defender.
Foi
ao parque. Os brinquedos ficam ao lado de uma floresta. Um lugar muito
estratégico. Observou o parque a procura de uma mãe distraída. Havia uma
que deixava sua filha a vontade, enquanto lia. Durante uma hora, apenas
uma vez foi verificar como estava a filha. Depois, continuou lendo. Ele
atraiu a menina oferecendo um pirulito. Foi a chamando em direção a
floresta. Lá chegando, viu a criança a sua disposição. O seu lindo
pescocinho a disposição para ser esganado. Mas, que nada. Sergisvaldo
ficou com pena. Pensou consigo - O que é que estou fazendo? Matar uma
criança ? Que covardia. Deixou a criança ir.Foi seu primeiro fracasso.
Da
segunda vez, resolveu atacar uma velhinha. Sim, uma velhinha seria uma
boa. Indefesa, já viveu bastante e tem pouco por viver. Como treino
seria legal.
Soraia, tinha oitenta e dois anos. Foi sua primeira
vítima. A coitadinha mancava e não enxergava bem e, por isso, não pode
oferecer muita resistência. Para começar foi bom. A velhinha gostava de
passear com seus gatos à noite e fio fácil surpreendê-la numa viela
escura e solitária, dessas que existem em quase todos arrabaldes pobres
das cidades.
Da terceira vez foi mais ousado. Acompanhou um
rapazinho por dias, estudou seus movimentos. Viu que ele era calado e
solitário e, por isso, sofria bulying dos colegas. Não tinha amigos e
gostava de buscar os caminhos mais longos e solitários tanto para ir
para a escola como para voltar para casas. Era claro que o menino não se
sentia feliz nem em casa nem na escola, ou seja, não era feliz em lugar
algum. Começou a encontrar um sentido nas coisas que estava fazendo.
Matar aquele rapaz seria livrá-lo de um peso. Sentiu orgulho e percebeu
que começara a gostar do que estava fazendo, esquecendo por completo das
muitas vezes que humilhara seus colegas na escola quando ainda era um
menino. Desta vez, ao praticar seu ato atroz, não sentiu nojo. Teve até
prazer no que fez. Em seu delírio chegou a ver gratidão nos olhos que na
verdade expressavam pavor na hora da morte.
E aí foram muitas
vezes, muitos assassinatos. Ele foi para as manchetes dos jornais -
Assassino em série atava de novo. E foi ficando viciado em matar. E foi
adiando seguidas vezes o assassinato que no inicio serviu de pretexto
para ele se tornar o que era. Um psicopata cruel que sente prazer no
sofrimento dos outros.
Porém não praticara todos aqueles
assassinatos. Pois não é que um outro assassino lhe seguia os passos e
imitava seus métodos. Boa parte dos assassinatos não fora ele que
cometera, mas outro ou, quem sabe, outros assassinos que atuavam na
região. Este outro era até mais cruel, pois sempre deixava sinais de ter
torturado a vítima o que causava mais horror.
Finalmente,
já se sentia seguro para concluir seu plano, ou seja, assassinar a
mulher. Ele já se sentia forte o suficiente para enfrentar aqueles olhos
dominadores.
Entrou decidido foi procurar debaixo da almofada do sofá onde havia escondido o facão com que pretendia golpear a sua última vítima.
Sim, última. Decidira abandonar aquela vida de crimes após atingir sua
meta final. Sabia que era errado continuar aquilo. O outro assassino
acabaria recebendo a fama pelos seus crimes, mas ele não se importava
com a repercussão.
Mas, surpresa! O facão não estava lá. Alguém o
tinha retirado, tinha certeza. Quando começou a se ligar de quem
poderia ter sido, já foi tarde demais. Recebeu o primeiro golpe pelas
costas e caiu no chão, prostrado e inerme. Logo em seguida, escutou a
voz de sua esposa.
- Você achou mesmo que poderia ter feito tudo
isso sem que eu descobrisse? Não só descobri como fiz o mesmo. Eu sabia
que você ia querer me matar, que era para isso que você estava treinando
para pegar coragem. HAHAHAHA. Que ridículo que você é. Quando você vai,
eu já estou voltando, será que ainda não entendeu isso?
Golpeou várias vezes até vê-lo bem morto, afogado em uma poça de sangue.
Ao terminar, ouviu as sirenes dos carros de polícia ao redor da casa. Saiu de braços levantados e gritou.
-
O assassino era o meu marido, descobri ontem e tenho provas disto. Ele
ia me matar. Deixou isto escrito em seu diário. Eu o matei em legítima
defesa. Ele está aqui no chão da cozinha mortinho da Silva.
Será que Marisnalva ia conseguir explicar a razão de tantas facadas. Só o ódio as poderiam explicar.
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