eu e você
formamos um
mas somos muitos
pois somos dois
e como um andamos
sempre juntos
a longa estrada
que tanto nos separa
é a mesma estrada
que um dia pode nos unir
pois a vida é uma moeda
de duas mesmas faces
ou então é uma queda
em que se morre e se renasce
não chore mais
enxugue a triste lágrima
e comece a sorrir
pois o tempo urge
a vida é curta
e o amor está por vir
segunda-feira, 16 de junho de 2014
quarta-feira, 11 de junho de 2014
De olhos, espelhos e outras coisas desrelacionadas
Exultei ao ver-te mil vezes multiplicada naquela sala de espelhos. Eras só uma e no entanto eras mil. Só eram dois os meus olhos que, insuficientes para tanto, restaram cegos. Hoje, dois buracos profundos ocupam suas órbitas.
Shakespeare não merece reparo, porém escondeu o fato de que Julieta finalmente descobrira quem era ao ver-se no espelho e não se enxergar. Julieta descobriu também que Romeu era o que nunca antes fora ao também nunca mais vê-lo no espelho. Romeu, por outro lado, apaixonado por si mesmo, viu-se no espelho e esqueceu Julieta. E duas vidas foram salvas (duas almas entretanto se perderam). O que é apenas um corpo e o que são apenas dois corpos sem o fogo da paixão? O espelho pode ter este condão de extinguir certas flamejantes porém temporárias chamas.
Cumpre visitar-se muitas vezes o espelho para que se tenha vergonha na cara. Na casa dos políticos não há espelhos. As casas dos críticos possuem janelas ao invés de espelhos. O espelho do pensador é a janela que dá para rua e a rua e quem passa por ela olha o pensador na janela. Já a janela do artista tem vista para o mundo e se parece com um espelho antigo.
O tempo, no espelho, se dilata, enquanto o espaço se comprime, segundo a teoria da relatividade irrestrita. A música é um espelho auditivo que reflete o som do coração do compositor.
Todos os espelhos da minha casa requerem um bom polimento. Mas eu deixo sempre para amanhã. A ferrugem tomou conta de mim e do meu espelho. A idade é implacável. Só lá dentro de mim ainda sou criança. E dou risada desta minha triste e aventureira figura. Um dom Quixote sem Dulcinéia; Pip! na minha mesa ainda está o bolo de casamento de miss Harvischam.
Chato foi quando eu mirei minha imagem no espelho e não me reconheci. Míopes, eram olhos que não viam. Só me vejo disfarçado, pois as lentes dos óculos me alteram a feição.
Ora, o que é um espelho? Nele a pessoa não vê o que outros vêem quando a vêem. Há uma auto-censura que não o permite. Se houvesse um espelho da alma, quem sabe eu poderia ser melhor do que sou. Ou, quem sabe, pior. Nunca sei por onde vou. Nunca sei que caminhos me levariam. Nunca sei onde quero chegar. Há sempre um interrogação na estrada.
Meus olhos são o espelho do mundo. Teus olhos nos meus, o paraíso. Meus olhos sem os teus, perdição. O meu olhar quando sozinho, uma imensa solidão. O olho direito tem uma ferida, o esquerdo é míope. Salvam-se neles o azul do céu misturado com o verde do mar, como um beijo fino e longuilineo. Olhos de horizonte e esperança ainda que sofridos. Olhos de serpente, olhos de Pandora. Um olho é solitário e vagueia pelo céu, o outro, cansado, descansa sob um véu... de vidro. Um chora perdidamente apaixonado, enquanto o outro, implacável, condena à pena máxima.
No quintal há um segredo, enterrado, num lugar indeterminado, esquecido ou que eu preferia esquecer. Mas afinal, quem não tem um segredo?
Quisera eu saber seus segredos e entrar dentro deles. Materializar seu sonhos. Fazer mágica em teu corpo e em teus pensamentos.
Abracadabra! Eis-te enfim sob meu domínio.
terça-feira, 10 de junho de 2014
tudo o que eu vejo
nesta triste caminhada
o abandono de mil dias
a árida planura que mora
na agrura baldia de um terreno
o musgo que cobre o muro
sob o qual me escondo
tudo o que eu sofro
é a dor que o nada faz
preferia a aguda dor da punhalada
a plangente e dura face de uma lâmina
que a amargura sempre igual da indiferença
nesta triste caminhada
o abandono de mil dias
a árida planura que mora
na agrura baldia de um terreno
o musgo que cobre o muro
sob o qual me escondo
tudo o que eu sofro
é a dor que o nada faz
preferia a aguda dor da punhalada
a plangente e dura face de uma lâmina
que a amargura sempre igual da indiferença
domingo, 8 de junho de 2014
Tudo começou quando, numa bela manhã, bem no centro da praça central, num canteiro de flores, bem em meio a petúnias e bromélias, surgiu uma caixa de som misteriosa. Veio assim, do nada. Alguém a colocou lá ou então caiu do céu. Uns diziam ter vindo do espaço, outros que tinha sido importada da Mongólia, mas ninguém tinha qualquer prova do que dizia, sendo, portanto, mera especulação.
A caixa era desprovida de maiores atrativos. Cor de madeira nua, sem qualquer identificação, nem sua forma tinha nada de especial, sendo meramente retangular como normalmente são as caixas de som. Entretanto, ela tinha algo de muito especial. Movida por alguma misteriosa e potente bateria, ela, vez por outra, emitia um som estridente e logo depois de suas entranhas saia uma voz entre tuberculosa e rouquenha que dizia uma verdade. Era simples assim. O que dizia era quase inacreditável, alguma coisa absurda de contraditória, mas verdadeira.
A primeira verdade avassaladora e retumbante, é a de que a Sra. De Vitalla, famosa e respeitada dama da sociedade, impávida, arrogante, fina, bela, exótica e rigorosamente conservadora, líder inconteste em saber da vida dos outros e a todos condenar implacavelmente como grosseiro ou desonesto, ela, o exemplo a ser seguido, a inigualável, benemérita e respeitada esposa do prefeito, o estava traindo com um mero serviçal, seu motorista particular, famoso entre as putas do baixo meretrício por seu membro descomunal.
Todos já sabiam disso, mas ninguém tinha a coragem de confessar.
A segunda e terrível verdade é a de que o prefeito já sabia há muito tempo das escapadelas úmidas, tórridas, barulhentas e escandalosas de sua digníssima, mas preferiu se calar e várias vezes assistiu escondido as peripécias que já não conseguia realizar, nem mesmo com a sua rechonchuda, jovem e psicodélica amante, a secretária, por sua vez também casada. Falou também qual a elevada porcentagem que ele desviava da merenda escolar.
Muitos desconfiavam há algum tempo dele, bastava reparar na baixa consistência da sopa que as crianças eram obrigadas a engolir.
O editor chefe do bombástico jornal da oposição, só escrevia mentiras. Ele preferia acusar o prefeito de ter desviado dinheiro em obras realizadas dentre dos moldes mais perfeitos de lisura, ao invés daqueles em que o prefeito e os seus asseclas se locupletavam, pois não queria desestruturar os esquemas montados, para que pudesse locupletar-se por sua vez quando chegasse a sua hora de ocupar o sonhado cargo. Era essa a razão de suas denúncias nunca implicassem em condenação, o que fazia que os eleitores ficassem ainda mais irritados pela impunidade. Tolos e ingênuos, preferiam acreditar em alguém tão parcial como o líder da oposição do que prestar atenção ao fato de nunca terem sido as denúncias acompanhadas de qualquer prova.
Disso aqui ninguém sabia, mas os argumentos eram tão poderosos e coerentes que não puderam questionar. Afinal, só o ser humano pode mentir, uma máquina não (esqueciam que a voz, apesar de metálica e impessoal deveria ser provavelmente de alguma pessoa, não sei se do além ou do aquém, se era voz de morto ou de vivo, mas que era voz, era voz, certamente)
As verdades iam sendo vertidas pela altisonante caixa de som. Enquanto isto, desmascarados, uns fugiam, os outros os perseguiam, sendo que boa parte fugia e perseguia ao mesmo tempo. Nesta hora, ninguém era de ninguém. Alguns aproveitadores não deixaram escapar a oportunidade. Alguns aproveitavam para furtar, outros para depredar, outros ainda para pegar as mulheres traídas ou as mulheres que traiam, todas essas fáceis nessa hora.
Por fim, assim como veio, a maldita máquina partiu. Entre mortos e feridos todos sobrevivam, mas não sobreviveu ninguém. A cidade, alterada para sempre, nunca mais foi a mesma. Uns tinham saudades dos velhos tempo, aqueles tempos de antes da máquina, como diziam a boca miúdas nas esquinas e becos mais sombrios. Outros achavam que agora, diante do império da verdade que se estabelecera, apesar das mágoas e feridas que só as verdades produzem tão profundas, era tudo melhor. Pelo menos se sabia em que tipo de lama se poderia assentar o pé antes de seguir seu caminho. Ainda havia uma parte que não sabia se ficara melhor ou pior depois que a caixa de som da verdade pousara e partira misteriosamente da praça daquela não tão pacata cidade.
A caixa era desprovida de maiores atrativos. Cor de madeira nua, sem qualquer identificação, nem sua forma tinha nada de especial, sendo meramente retangular como normalmente são as caixas de som. Entretanto, ela tinha algo de muito especial. Movida por alguma misteriosa e potente bateria, ela, vez por outra, emitia um som estridente e logo depois de suas entranhas saia uma voz entre tuberculosa e rouquenha que dizia uma verdade. Era simples assim. O que dizia era quase inacreditável, alguma coisa absurda de contraditória, mas verdadeira.
A primeira verdade avassaladora e retumbante, é a de que a Sra. De Vitalla, famosa e respeitada dama da sociedade, impávida, arrogante, fina, bela, exótica e rigorosamente conservadora, líder inconteste em saber da vida dos outros e a todos condenar implacavelmente como grosseiro ou desonesto, ela, o exemplo a ser seguido, a inigualável, benemérita e respeitada esposa do prefeito, o estava traindo com um mero serviçal, seu motorista particular, famoso entre as putas do baixo meretrício por seu membro descomunal.
Todos já sabiam disso, mas ninguém tinha a coragem de confessar.
A segunda e terrível verdade é a de que o prefeito já sabia há muito tempo das escapadelas úmidas, tórridas, barulhentas e escandalosas de sua digníssima, mas preferiu se calar e várias vezes assistiu escondido as peripécias que já não conseguia realizar, nem mesmo com a sua rechonchuda, jovem e psicodélica amante, a secretária, por sua vez também casada. Falou também qual a elevada porcentagem que ele desviava da merenda escolar.
Muitos desconfiavam há algum tempo dele, bastava reparar na baixa consistência da sopa que as crianças eram obrigadas a engolir.
O editor chefe do bombástico jornal da oposição, só escrevia mentiras. Ele preferia acusar o prefeito de ter desviado dinheiro em obras realizadas dentre dos moldes mais perfeitos de lisura, ao invés daqueles em que o prefeito e os seus asseclas se locupletavam, pois não queria desestruturar os esquemas montados, para que pudesse locupletar-se por sua vez quando chegasse a sua hora de ocupar o sonhado cargo. Era essa a razão de suas denúncias nunca implicassem em condenação, o que fazia que os eleitores ficassem ainda mais irritados pela impunidade. Tolos e ingênuos, preferiam acreditar em alguém tão parcial como o líder da oposição do que prestar atenção ao fato de nunca terem sido as denúncias acompanhadas de qualquer prova.
Disso aqui ninguém sabia, mas os argumentos eram tão poderosos e coerentes que não puderam questionar. Afinal, só o ser humano pode mentir, uma máquina não (esqueciam que a voz, apesar de metálica e impessoal deveria ser provavelmente de alguma pessoa, não sei se do além ou do aquém, se era voz de morto ou de vivo, mas que era voz, era voz, certamente)
As verdades iam sendo vertidas pela altisonante caixa de som. Enquanto isto, desmascarados, uns fugiam, os outros os perseguiam, sendo que boa parte fugia e perseguia ao mesmo tempo. Nesta hora, ninguém era de ninguém. Alguns aproveitadores não deixaram escapar a oportunidade. Alguns aproveitavam para furtar, outros para depredar, outros ainda para pegar as mulheres traídas ou as mulheres que traiam, todas essas fáceis nessa hora.
Por fim, assim como veio, a maldita máquina partiu. Entre mortos e feridos todos sobrevivam, mas não sobreviveu ninguém. A cidade, alterada para sempre, nunca mais foi a mesma. Uns tinham saudades dos velhos tempo, aqueles tempos de antes da máquina, como diziam a boca miúdas nas esquinas e becos mais sombrios. Outros achavam que agora, diante do império da verdade que se estabelecera, apesar das mágoas e feridas que só as verdades produzem tão profundas, era tudo melhor. Pelo menos se sabia em que tipo de lama se poderia assentar o pé antes de seguir seu caminho. Ainda havia uma parte que não sabia se ficara melhor ou pior depois que a caixa de som da verdade pousara e partira misteriosamente da praça daquela não tão pacata cidade.
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