terça-feira, 21 de janeiro de 2014

É engraçado perceber que os que mais têm certeza são aqueles que menos têm razão.

"Se emprego tantas horas para me convencer de que tenho razão, não será que exista alguma razão para ter medo de que eu esteja equivocada?" (Jane Austen)

Quanto mais eu sei, menos eu sei.

Quanto mais eu me calo, mais eu falo.

Quanto menos eu falo, menos sou ouvido.

Os que não me deixam falar, reclamam que só eu quero falar (os que me ouvem são os que menos falam, mas os que menos falam são os que mais me dizem, mostrando que no pouco há muito e no muito há bem pouco). E não me ouvem, não me ouvem, não me ouvem, mesmo depois que passo horas os ouvindo. Quando pergunto :
 - Já disse tudo que queria dizer?
E respondem :
 - Já.
Eu pergunto
- Pois eu concordo com tudo que me disse, só discordo de dois ou três pontos, será que quer ouvir o que tenho a dizer?
 - Claro.
E, mal começo a falar e me interrompem... e eu os deixo falar, mas já não quero mais ouvir. Eu jamais ouço os que sabem demais, pois nada sabem.

O saber começa pelo buraco do ouvido e acaba na ponta da língua.

Para muita gente, o mundo acaba no seu umbigo ou ponta de seu nariz.

Esquecem o mundo que há sob asa de uma borboleta, no interstício que há
              
               entre a haste
                        o pêndulo
                                  e o tempo....

sobre a esfera plana de um mapa
sobre o plano esférico de um mundo
ao final de uma estrada sem fim
num quarto de volta de um meio parafuso
e na breve existência de uma vida.

Queria dizer o que não sei dizer. É que não encontro palavras. Talvez não caibam no espaço minúsculo desta página. Talvez não tenham sido ainda inventadas.


-x-

meu poema é tal e qual uma flor


que no quintal esquecida

desabrocha encantada

sem iluminar nenhum olhar



sem que chame atenção

do mais pobre leitor

e se não há quem o leia

que importa que a veia

palpite tão intensamente?



melhor seria calar esse verso

ou escondê-lo em um baú

enterrá-lo no quintal

para que se alimente a terra

do sal de minhas lágrimas

que um dia caíram sobre o papel

em que alucinado o compunha



quem sabe um dia o verso vire flor

e um olhar passageiro e vadio caia

sobre sua pétala colorida e comum

e distraído a entreveja

e isso ilumine o seu coração

-x-

O que adianta dizer

que a saudade dói

se isso é coisa que todos sabem?

(todos no mundo

sentiram a falta de alguém)

Para quê dizer

que o amor é ventura

e o que beijo da amada enleva

se quem amou bem o sabe

e quem não amou não entende?

Triste é a sina do poeta:

dizer o óbvio

ou então

não ser entendido.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

cabe ao poeta
dizer-se no verso inteiro e por completo
a coragem exposta
e a alma franca em amplo gesto
a mão e a face nua
o dedo em riste e o espírito irriquieto
os lábios hirtos e o sobrecenho altivo e impávido
expor os sentidos e pensamentos
o povo deles tão ávido
cabe poeta desmascarar
xula ou culta
a palavra que andava oculta
ao poeta cabe o que não cabe em si
e é por si que ele em si não cabe
e o que ele não sabia
se revela no poema que ele sabe

-x-

Ela sempre me repelia, e se escondia naquela nuvem fria e escura que lhe turvava o rosto porém, mesmo a noite mais sombria tem um amanhecer  e, de tanto insistir em lhe instilar um sorriso, ela por fim e para sempre se abriu em flor, seus cabelos dourados se espalharam feito as pétalas da primavera e os olhos se abriram plácidos como lagos que repousam brilhantes nos fundos dos vales alpinos.
Mas, como de outras vezes, não fui eu que colhi a flor que plantei.

Poemas antigos

1- O poeta o papel e a eternidade

o papel em branco
do poema
a eternidade separa

o papel em branco
da eternidade
o poema separa

a eternidade
do poema
o papel em branco separa

separam-se
poema e papel em branco
eternamente

eternos
papel e poema

transitório poeta


2- Sem Maquiagem

Exangue, pálida

e esquálida,

no atáude,

perdida saúde,

reluz a tez,

qual corpo branco

de vela,

extinta a chama,

que a lágrima de cera

percorre

pela última vez.

- 3 - 

versos
são asas
de luz
um ser alado e impávido
de almas devorador tão ávido

(um propulsor
de combustível sólido)

a Lua se aproxima
a cada rima
a visão de uma galáxia
redime
quando em meu peito a palavra
se comprime
mesmo que não seja
assim tão certo
com o verso o céu
fica de mim tão perto

- 4 -

o poema
não é um sibilo
        de uma sílaba

não é o sabor
        dos dizeres de um sábio
não é o torpor
que existe num sábado
nem a cor esquecida
no borrão de uma aquarela perdida

ele é uma espécie de mágica
veloz, retumbante e lépida 
e mesmo quando não tem
nem sentido e nem lógica
é o desejo escondido
de ser um segredo sagrado
a chave perdida de um divino mistério
a mistura do que é místico
com o conhecimento védico
é a verdade assim expressa
o sabor e o aroma de um expresso
a textura delicada de um linho
a delicia rubra de um vinho
a espessura tênue de um átimo
a expressão exagerada do que é ótimo

o poema é o que eu não disse
mas há no verso
o enigma mais indecifrável
do universo
o poema é o que eu não sei
mas que sinto
o poema é o que é
pois eu não minto

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

inventa-me
assim como eu te invento
e serei mais do que sou
assim como és mais do és
sou eu o presente do teu futuro
como foste o futuro do meu pretérito
subjuntivo e  infinitivo conjugados a um só tempo
o jato expelido, sussuro soprado, um lamento
a regência de uma simples preposição
o hipotético de uma relativa subjunção
somos dois pagãos que se encontram
aquém e além de todo tempo e espaço
infinitos tênues pontos
que cintilam aqui e ali
eternos breves átimos
que vorazes se engolem
tal como matéria e antimatéria
o encontro de um antibiótico e uma bactéria
um vírus vil e intenso que nos infecciona
o veneno fatal que ele nos instila e apaixona
tal como o explosivo que por todos os lados nos incendeia
a asquerosa aranha a espera da vitima inerme em sua teia



- eu não escolho palavras
são elas que me escolhem-


e que me importa
se a mula é manca
se a banca é branca
se o siri é mole
e engole o molhe
ou o que será da mulher
que jaz no jazz
que faz o fêz
de ponto em ponto
e que mais um mês
desconta um conto
e escancha a conta
uma simples concha que descansa na areia
pequena trombose que faz inchar a veia
um sangrar do que podia ser vida
que podia ser fome ou ser comida
o espesso fluido que tosse rouca expele
a casca morta, a crosta, uma troca de pele

se o que importa é se fazer presente e ser futuro na vida de alguém

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Aguardava a chegada do carro que me levaria até o hotel, quando observei uma belíssima mulher sentada em um café que olhava em minha direção.
- Nossa, pensei com meus botões, como sou bonito! Ou não? Será que ela está olhando para mim mesmo?
Percebi, então, que seus olhos pareciam me atravessar e olhar algo que estava atrás de mim. Olhei nesta direção e percebi que a linda mulher observava um homem de meia estatura, gorducho, careca e que fumava um longo e fedorento charuto. Porque ela, tão bonita, prestava atenção num homem tão feio e deselegante tendo a mim a meio caminho?
Olhei novamente para a beldade no momento em que ela tirava uma pequena caixinha de seu decote e pressionava um pequeno botão vermelho em seu centro. Quase ao mesmo tempo, a pasta do gorducho que ela observava explodiu e o pobre homem se transformou instantaneamente num monte de miolos, sangue e postas de carne. Olhei para a mulher novamente e ela percebeu que eu havia entendido tudo. Assustada saiu em dispara e eu, por minha vez, parti em seu encalço. Policiais que estavam no local, perceberam meus movimentos e cairam em meu encalço.
Eles acabaram me prendendo. Tentei explicar tudo, mas responderam que a mulher era uma espiã a serviço do governo dos Estados Unidos que estava executando uma importante missão em favor do mundo livre ao eliminar um perigoso agente inimigo.
Disseram, também, que minha aparição vinha bem a calhar, pois precisavam de alguém para por a culpa, por isso, precisavam proceder à identificação do suspeito, no caso, eu mesmo.
- Qual o seu nome?
- Bond, James Bond - respondi.

(Nunca perco meu senso de humor)