terça-feira, 13 de dezembro de 2011


Feliz daquele que, sempre distraído, passou pelos problemas da vida e superou-os sem mesmo ter percebido que eram problemas. Problemas nem mesmo existem : são só o nome com que denominamos certas situações que exigem alguma ação. Se não tiverem solução, nem problemas são. Os problemas não existem, bem me disse uma coruja que voava ao longe sem me dizer palavra. Foi no silêncio da existência que aprendi a deixar de lado o que me acabrunhava.

O segredo estava em ser como o vento, que supera obstáculos, escala íngremes montanhas, mergulha como suicida nos mais elevados despenhadeiros, sem se perceber, sem mesmo saber aonde vai.

O segredo é ser como a rosa, que desperta nas manhãs sem perguntar a hora ou notar que o pintor nela se inspira. É viver como se fosse um sonho, uma tênue e delicada fantasia, algo que oscila entre os extremos mais opostos sem saber-se meio, é vencer e ignorar os louros, é perder e se erguer de novo sem sentir o tombo.

Delicio-me com o vôo sem sentido e cheio de rodeios de uma colorida borboleta sem me perguntar ao menos aonde vai assim com tão caprichoso vestido e, ao som do canto esquizofrênico das cigarras, vou dançando a dança da vida, aprendendo a não me perguntar tanto o porquê das coisas.

-x-

pontes partidas
pontes partidas
que o rio da vida separa
somos margens opostas
flora e fauna distintas
que a cada caudalosa enchente
a largura crescente
do enorme rio afasta

só o engenho inútil
de um poeta louco e inconsequente
como fui um dia desses
poderia juntar as pontas remotas
desta longa cordoalha
da imaginação febril
e da arrogância ingente
corta o verso plangente
qual agudo gume vil
de implacável navalha
e faz enfim vibrar o amor
que antes fora inexistente

-x-

o amor é assim, incompreensível
surge de repente do nada
 
e para o nada de repente vai
volta quando menos se espera
por vezes fica ali adormecido
e de um bote só revigora
mesmo quando esquecido
latente fica à espreita
para num bote fatal e possante
ter a presa novamente
 
agarrada firmemente
em seus dentes agudos e cruéis
 -x-

-Uma Flor-

uma flor
não é a palavra flor
mas a flor !
apenas a flor
o que é muito mais
do que apenas dizer flor
ou mesmo dizer
corola, pétalas e cores
ou outra palavra qualquer

a flor é muito mais
e é tolo o poeta que diz
haver beleza
nas palavras de seu poema
se lá fora
desabrocha em todas as cores
a poesia da natureza

-x-
córrego límpido
mina em meio a tua mata
borbulham desejo lábios meus
coração florido em mim
fez primavera meus olhos
cascatam minhas veias
rubras estradas tintas
percorrendo minha história
na geografia indecisa
e delicada do teu corpo

(mapa celeste, constelação bandida.
estrelas esparsas meu ser)

o tronco rijo aponta
o abismo vão que nos separa

-x- Do prazer das coisas inúteis

nunca soube
para que serve
um poema

nem o amor


-x- Melting Point



- orgasmo -


têmpera
resistente e flexível


fusão
paradoxal e impossível


da dureza viril
e indecente
do meu aço


com a maciez
carnuda e úmida
que repousa em teu regaço

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A ansidade é minha grande inimiga. Eu ignorei a lição das flores e sua forma serena e tranquila de esperar o Sol nascer, de estender suas pétalas sem pressa, sorver a luz do dia ou as gotas da chuva, confomar-se com o que vier. Sempre desejo o oposto do que a natureza me provê. Chove quando eu queria que fizesse Sol e o Sol queima impunemente minha carne quando o que queria era uma refrescante chuva.

Sou apressado e quero que as coisas venham antes da hora. Tenho pressa em viver e acabo deixando a vida de lado. Não sinto o cheiro de terra molhada pela chuva, não presto atenção no Sol se pondo e as canções nunca chegam ao fim.

Aprendi tantas coisas, mas esqueci de aprender o que era essencial, pois quando "você trata cada situação como uma questão de vida ou morte, morrerá muitas vezes" (Dean Smith). Este o meu problema, ficar morrendo muitas vezes por dia na ânsia de viver muito. Tudo me é preocupante e sei que não deveria temer, pois " a coisa que se deve ter mais medo é o próprio medo" (Montaigne) e "não há infortúnio maior do que esperar o infortúnio" (Calderón de la Barca). Mas, apesar de tudo, eu temo.


Os problemas, não são problemas, mas medo, ansiedade, a espera de um infortúnio que só deveria causar medo quando se tornasse realidade. Pode-se perfeitamente precaver contra infortúnios sem sofrê-los, mas não é isso que faço. Eu sofro por golpes imaginários.

Sei o que devo fazer, mas de que me adianta o saber se não sei aplicá-lo? Será que o saber é uma coisa que só vale quando já não serve? Pois é só quando estamos velhos que nos arrependemos de não ter aproveitado a juventude. Reclamamos da falta de tempo, mas não sabemos o que fazer com ele quando ele sobra e acabamos ficando entediados. São perguntas que me faço, que sei responder, mas as respostas de nada me servem, pois não as aplico.

-x-

Perdura verso que escrevo
muito e muito além
deste seu pobre autor
sobreviva ao nobre sentimento
que um dia o inspirou
e mesmo muito depois
de sua amada não mais ser sua
e de muitos outros a terem amado
que sobreviva o sentimento
no calor pulsante do verso
e mesmo após a explosão
da imensidão do universo
que ainda alguém o diga
com profunda emoção

e mesmo quando as mãos
descarnadas e enrugadas
do seu encarquilhado escritor
não puderem segurar nem um lápis
que ainda exista a lembrança
desde imenso e eterno amor