-I-
para sempre há de ser e será
teu olhar no meu olhar
minhas pernas entre as tuas pernas
sob um só lençol nossos corpos
-II-incompleto
por mais que te escreva e descreva
sempre restará um poema a ser escrito
um enigma a ser decifrado
uma palavra por ser dita
uma lágrima que eu ainda não tenha vertido
ou que não tenha te feito verter
um sorriso que ainda não tenhas me me feito
uma declaração que não ousei
uma ousadia que jamais haverei de declarar
-III-tola vingança
pedaços de mim
espalhados no chão em que pisas
sujam de sangue teus saltos
sem desviar teus passos
-IV-De tantas verdade e mentiras
Sou uma verdade
que um dia me menti
e de tanto repetir
acabei acreditando
és um mentira
que julguei ser verdade
pois só o tempo abre os olhos
velados pela luz
-V- Desencontro
Ela tanto me esperou
que virou pó
dissolveu-se no vento
depôs-se em meu caminho
e sujou meu sapato
(Meu reino por um engraxate)
-VI-
Neste túmulo
muitos sonhos
jazem
enterrados
-VII-
Quero a ventura
de três amanheceres
: o Sol despontando no horizonte
e seu reflexo duplicado
nos teus olhos despertos
VIII- CREDO
creio
piamente
em tua boca
e no céu
que lá existe
(único céu
que ainda me resta
: o outro
para sempre
jaz perdido)
creio no santo poder
dos teu olhos
sobre meu ser
(dos meus
inconfessáveis pecados
faz be-atos)
sob a luz
que emanas
em meu caminho
tudo é sagrado
mas se na escuridão
de tua lamentada ausência
trevas
(só a luz do teu olhar
acende meus faróis)
creio sobretudo
na divindade
de tua pélvis
(apaixonadamente
ali mergulho
: batismo de sangue)
teus olhos são-me guias
abrem olhos antes cegos
a verdade que mora em teu ser
dissipa nuvens eternas
do contumaz ceticismo
que me anuvia
derrete seu calor
neves sempre brancas do meu gelo
trocaria a eternidade
por um breve momento ao teu lado
e todas as minhas idades
vividas ou ainda por viver
todos beijos que já sonhei
por um único beijo teu
resignar-me-ia até à eterna dor
para ter um breve instante do teu amor
-IX-
não há mais flores
em teu sorriso
pois o inverno do tempo
abateu-te na primavera da vida
...em pleno vôo
asas engessadas
pendem inertes em cada lado
de teu corpo
prendem teus braços inermes os remos
nas aleivosias e escolhos do mar
a água cristalina
de teus olhos-lagos secou-te as margens
o que ainda resta de ti
fora um deserto escaldante
o frio congelante das geleiras
o brilho eterno e frio
de estrelas extintas?
-X-
Montanhas
Montanhas
entortando o horizonte, entortando o céu que é plano. Deixando curvas
nas dobras do mundo, criando vales e torrentes, recortando a terra,
derrotando o igual, violando o tédio, violentando a esfera.
Esfera
oca cheia de pontas, espinhos, carrapicho. Ali, nas montanhas, é que
nascem os rios! E os rios transportam os sedimentos que adubam os solos,
Solos com sede de sedimentos. Seres com sede de sentimentos. Eu com
sede de ti. Nós com sede uns dos outros. Seres vivos com sede de vida.
Filhos!
Resultado da sede que a vida tem de si mesma. Eu amo porque sou um rio
com sede de rios, vida com sede de vida, rio e sede da vida, dos peixes,
peixe com sede de peixes.
Sorvo cardumes de um só gole. Rios que são serpentes que se estendem nas planícies para tomar Sol.
Montanhas! Saiam da frente do meu Sol. O Sol é meu! O Sol é teu, é nosso.
Mas
aqui, nesta parte que estou da Terra, pega uma luz do Sol que vem de
uma parte do Sol que é minha, pois se sou dono da luz, sou dono da fonte
desta luz. Sou dono de uma parte do Sol! Sol que ilumina montanhas
escuras, florestas sombrias. Pelas frestas de tuas copas, floresta,
deixas passar um pouco da luz do Sol. Mesmo que seja uma nesga, perdes
um pouco de tuas sombras e o Sol perde uma da luz que o consome, mas os
seres que te habitam ganham um pouco mais de vida.
Esta
estranha relação que tens com o Sol me ensina que quando se perde algo
em algum lugar, em algum tempo, necessariamente alguma outra coisa se
ganha em algum outro lugar em algum outro tempo.
Não
há ganho sem perda, nem perda sem ganho. Isto me faz conter meu desejo
de ganho, por não querer provocar uma perda, isto me faz aceitar minhas
perdas, pois houve ao mesmo tempo um ganho.
As
montanhas desafiam com suas escarpas os alpinistas à escalada. Escalar
montanhas, subir degraus, este nosso destino. Somos todos alpinistas.
Havia uma montanha que nunca um alpinista ousara escalar. Mas aquele
alpinista, ah, aquele alpinista, ousou. Suas chances de voltar eram
mínimas, mas o que não é arriscado? Contra tudo, contra todos ele ousou.
E fracassou na primeira tentativa, mas, depois daquele fracasso, ficou
mais fácil escalar montanhas que antes eram difíceis.
Quem
tenta o inalcançável pode conquistar outras coisas. Mas, se pensam que
ele desistiu da escalada, estão enganados. Aquela montanha era a
montanha da sua vida. Por nada deixaria escapar aquela conquista. Nem
que fosse à custa de ossos quebrados ou da vida.
Se
ele não tentasse de que valeria a vida. E errar não era problema. Ele
errara outras vezes, nem por isto desistira, nem por isto se sentira
derrotado. Haveria de chegar o momento da definitiva conquista. E ele
tudo fazia, tudo conseguia, por ter um propósito.
Por
isto mesmo nem vou dizer se ele conseguiu escalar ou não a montanha da
sua vida. Nestas histórias vale mais a luta do que a conquista. Vencedor
é aquele que enfrenta suas montanhas, não aqueles que a conquistam. A
grande conquista é a conquista de si mesmo.